Nominada Iret-Neferet, ou olho bonito, a cabeça de uma múmia com mais de 2,5 mil anos será exposta na biblioteca Irmão José Otão da PUCRSa partir da próxima terça-feira. Pouco conhecida pelos gaúchos, a relíquia ficou durante três décadas em uma caixa de vidro no interior do Centro Cultural 25 de Julho, em Cerro Largo, nas Missões.
Após o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, quando uma coleção de corpos mumificados virou cinzas em setembro do ano passado, a descoberta do objeto e sua exposição é considerada um alento para pesquisadores da área. O público pode conferir o crânio de múmia até o dia 26 de julho, de segunda a sexta-feira, das 7h35min às 22h50min, e, aos sábados, das 7h35min às 17h30min. Depois disso, “olho bonito” retorna para o museu de Cerro Largo.
Sua história pelos pampas começou em 1950, quando um morador da região ganhou a múmia de presente. Conforme o pesquisador da PUC e caçador de relíquias, Edison Hüttner, durante uma expedição que ele realizava no município de São Nicolau em 2017, foi avisado que a cidade missioneira de Cerro Largo tinha peças importantes de arte sacra. Ao descobrir o tesouro egípcio, um convênio de pesquisa foi firmado entre o museu e a PUC. “Ao realizar uma tomografia na peça, descobrimos algo surpreendente porque o olho, feito de seda e rocha, é extremamente bem preservado e bonito. Por isso, demos o nome baseado no egípcio antigo”, sustenta.
De acordo com os registros do Centro Cultural 25 de Julho, a peça foi doada a instituição entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Hüttner conta que a múmia chegou a Cerro Largo por obra do advogado Marcelino Kuntz e de um egípcio que morava no Brasil. “Antes de morrer, diz-se na cidade, que o egípcio falou a Marcelino que se tratava de uma múmia de princesa. Portanto, fazer essa identificação será nosso próximo passo”, destaca.
Os pesquisadores tentarão descobrir a linhagem da pessoa mumificada através do sequenciamento do DNA. Para tanto, material extraído de dentes da peça histórica deverá ser encaminhado para Alemanha, onde há protocolos para tal identificação.
Raridade
A múmia teve a confirmação de idade, sexo e origem por exame de radiocarbono (C14) realizado nos Estados Unidos. A cabeça é de uma mulher, que tinha pouco mais de 40 anos, tendo vivido entre 768-476 a.C. Além de 22 faixas de linho envolvendo o crânio mumificado, Hüttner e sua equipe também identificaram que a cabeça apresenta perfuração sobre o osso na altura do nariz, o que indica a técnica para a retirada do cérebro, procedimento próprio da mumificação.
A “descoberta” da Iret-Neferet tem importância histórica e social, considerando que é uma das únicas peças restantes no país. Ela é também a primeira múmia do Brasil a ter idade confirmada cientificamente por exame de radiocarbono. Outro exemplar existente no país atualmente é Tothmea, que chegou dos Estados Unidos em 1995 e hoje está no Museu Egípcio Rosa Cruz de Curitiba (Paraná).
O Grupo de Estudo Identidade Afro-Egípcias da PUCRS, coordenado pelo professor Hüttner, descobriu anteriormente a escultura de uma Deusa Nimba no interior de Santo Ângelo. Segundo o pesquisador, a peça em madeira foi produzida entre os séculos 18 e 19 por afrodescendentes brasileiros que conheciam a arte, escultura e rituais praticados pelo povo Baga/Nalu, da região do Oeste africano (Guiné, Guiné-Bissau). Essa foi a primeira escultura do gênero encontrada em solo americano.