Com o agravamento da crise de queimadas no Brasil, senadores e deputados apresentaram, desde o início de setembro, 19 projetos de lei visando endurecer as penas para quem provoca incêndios. Esses projetos propõem medidas como a tipificação de crimes de queimadas como hediondos e a proibição de incentivos fiscais para pessoas envolvidas em transgressões ambientais, buscando respostas mais duras à crise. A movimentação é uma resposta para o aumento no número de queimadas no país.
Na sexta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que cria multas por infrações envolvendo incêndios. O início das queimadas em vegetações nativas ou florestas vai ter multa de R$ 10 mil por hectare, ou fração. Já nos casos das florestas cultivadas, a penalidade será de R$ 5 mil.
Nos primeiros 20 dias de setembro, foram registados 65.649 focos de incêndio, o que representa 62% de todos os incêndios registrados na América do Sul, de acordo com dados do sistema BDQueimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
No Senado, sete projetos de lei sobre crimes ambientais foram apresentados em setembro. Entre eles, o PL 3567/2024, de autoria da senadora Leila Barros (PDT-DF), propõe o aumento das penas para crimes ambientais, especialmente em períodos de calamidade pública e desastres climáticos.
O projeto sugere dobrar as penas para crimes cometidos em cenários de emergência, como secas severas e altas temperaturas — contextos que têm se tornado mais frequentes devido às mudanças climáticas. Leila Barros, que preside a Comissão de Meio Ambiente do Senado, reforça a necessidade de medidas mais rígidas para enfrentar os impactos ambientais crescentes.
“Estamos vivendo uma crise sem precedentes. Queimadas criminosas estão devastando nossos biomas e deixando um rastro de destruição que precisa ser combatido com urgência”, alerta a senadora.
Atualmente, a pena para o crime de incêndio florestal varia entre dois a quatro anos de reclusão. O projeto propõe ampliar essa pena para três a seis anos em casos dolosos, e de um a dois anos para crimes culposos, ou seja, aqueles cometidos sem intenção direta.
Outra proposta é o PL 3589/2024, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), que busca endurecer as penas para quem provoca incêndios florestais de forma intencional. O projeto prevê aumento em dobro da pena para quem provocar incêndios florestais intencionais e inclui esse crime no rol de crimes hediondos. Isso significa que, além de penas mais rigorosas, o condenado perde o direito a fiança e cumpre a pena em regime fechado desde o início.
Além disso, se o incêndio causar risco à vida, à integridade física ou a propriedades, como casas ou veículos, a pena será interpretada com base no Código Penal. Hoje, essa pena varia de três a seis anos de prisão, mas o projeto de Contarato pretende aumentar para seis a 12 anos, também sem direito a fiança e com cumprimento inicial em regime fechado. O objetivo é tornar as punições mais severas e desestimular essas práticas, dadas as consequências graves dos incêndios florestais.
“Uma legislação mais rígida, aliada à educação e à fiscalização permanente, é fundamental para combater esse problema. O meio ambiente é um patrimônio de todos, e os danos causados por esses incêndios afetam não apenas a biodiversidade, mas também a saúde pública, a economia e as futuras gerações”, afirmou o senador.
Na Câmara dos Deputados, entre os 12 projetos de lei apresentados em setembro que sugerem punições mais severas para crimes ambientais, seis propõem o aumento de penas, quatro inserem crimes no rol de crimes hediondos, e dois tratam do impedimento de benefícios fiscais para quem provoca incêndios.
Entre eles, o PL 3635/2024, do deputado Nilto Tatto (PT-SP), que lidera a bancada ambientalista. O projeto propõe a inclusão de crimes ambientais graves na categoria de terrorismo, considerando como atos terroristas as ações contra o meio ambiente que gerem “terror social ou generalizado”, colocando em risco a população, o patrimônio e a paz pública. Isso, segundo o deputado, abrange os incêndios criminosos que estão em curso no país.
“Como o intuito desses grupos criminosos é o de espalhar o terrorismo climático contra a população, espero que esse projeto contribua para resguardar o bem-estar social e dar devida punição a estes criminosos”, explica.
Penas para quem provoca queimadas são leves
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, destaca que o Brasil tem legislações para punir incêndios criminosos, mas existe a necessidade de aumentar as penas para quem provoca queimadas, tanto de forma intencional quanto culposa, quando não há a intenção de causar danos graves. Para ela, atualmente, as punições são brandas e, em muitos casos, são convertidas em multas, como o pagamento de cestas básicas.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima
Anny Karoline/Câmara dos Deputados
“Acredito que as penas precisam ser aumentadas. Provocar incêndio de forma intencional deveria ser considerado crime hediondo, com pena de 6 a 10 anos, ou algo nessa linha. Além disso, a modalidade culposa também deve ter uma punição mais severa, pois, atualmente, quem é processado acaba pagando, no máximo, algumas cestas básicas. As penas são muito baixas.”
Ela também comenta que o uso do fogo em atividades agrícolas sem licença deveria ser considerado crime, independentemente de resultar em incêndio doloso. “Acredito que deveria existir uma tipificação penal específica para o uso do fogo sem a devida autorização prévia, pois a falta de cumprimento dessa regra é extremamente grave e precisa ser tratada como crime”, afirma.
Em junho, após seis anos parado, o Congresso aprovou a lei que regulamenta o manejo integrado do fogo no Brasil. A lei é uma tentativa de disciplinar o uso do fogo no meio rural, incentivando sua substituição por outras técnicas. Ela proíbe, por exemplo, o uso de fogo para eliminar vegetação nativa, exceto em casos de queima controlada de resíduos. Para atividades agropecuárias, o uso do fogo só será permitido em situações específicas, quando necessário.
Suely ressalta que, embora o uso do fogo no meio rural seja muitas vezes visto como desregulamentado, desde o Código Florestal de 1934 é necessário ter autorização para atividades agrícolas que utilizam fogo. Essas regras, no entanto, frequentemente ignoradas, o que resulta em incêndios.
“Poucas pessoas pedem a autorização estadual necessária, e muitas acabam usando o fogo de forma negligente, sem tomar as medidas adequadas para evitar que ele se espalhe. Isso é um problema grave.”
Pacheco quer evitar ‘populismo legislativo’
No início da semana, durante uma reunião no Palácio do Planalto para tratar de medidas para o enfrentamento da crise climática no país, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse reconhecer a urgência de tratar o tema, mas ponderou que é preciso equilíbrio na apresentação de matérias para não haver risco de “populismo legislativo”. Ele também argumentou que o problema não está na falta de leis, e sim na necessidade de aplicar as normas existentes.
“Não se trata de uma fragilidade na formulação de leis ou penas. O que se identifica nesses incêndios é, além do crime de incêndio, a possível ação de uma organização criminosa, que já possui penas severas o suficiente. Precisamos evitar notícias de que alguém foi preso e liberado imediatamente, e instrumentos legais para evitar isso já existem.”