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Entenda os destaques do relatório holandês da enchente que atingiu Porto Alegre

Documento de mais de 50 páginas traz a identificação de fatores e faz recomendações para evitar novos desastres

Foto: Ricardo Giusti / Correio do Povo

A Prefeitura de Porto Alegre disponibilizou, por meio do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), o relatório completo com todas as recomendações feitas pela consultoria neerlandesa que avaliou as causas da enchente de maio e recomendou ações para impedir novos episódios. Confira, abaixo, os principais pontos do documento:

Quem produziu e para que serve o documento?

O documento produzido pelo Programa do Governo Holandês de Redução de Risco de Desastres e Suporte a Surtos (DRRS), foi finalizado em agosto de 2024 após uma missão realizada em Porto Alegre, entre os dias 5 e 11 de junho de 2024. O relatório final conta com 52 páginas e foi dividido em oito capítulos, 19 subcapítulos e mais três anexos.

Fatores que agravaram as inundações em Porto Alegre

O relatório aponta que diversos fatores climáticos e de infraestrutura contribuíram para a gravidade das inundações que atingiram Porto Alegre em maio de 2024.

Fatores Climáticos:

* Precipitação Extrema: Uma combinação anômala de fenômenos meteorológicos resultou em chuvas de magnitude sem precedentes no Rio Grande do Sul. As precipitações concentradas em um curto período de tempo geraram picos de vazão muito acima das médias históricas.

* Influência do El Niño: O fenômeno El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico, contribuiu para a formação de áreas de instabilidade climática sobre o Estado.

* Ventos Desfavoráveis: Ventos fortes de Sudoeste atuaram no sentido contrário ao escoamento do Lago Guaíba e da Laguna dos Patos, reduzindo a capacidade de vazão e agravando o acúmulo de água.

* Maré Alta: A maré alta coincidiu com o período de chuvas intensas, diminuindo ainda mais a capacidade de escoamento dos sistemas hídricos.

Fatores de Infraestrutura:

* Sistema de Bombeamento Subdimensionado: O sistema de bombeamento de Porto Alegre foi projetado com base em dados antigos e se mostrou inadequado para lidar com o volume de água da enchente de 2024.

* Falhas nas Comportas: Diversas comportas do sistema de proteção contra cheias não funcionaram corretamente, apresentando vazamentos ou colapsando devido à força da água.

* Diques Insuficientes: Os diques de proteção, projetados com base em um evento de 1941, não suportaram o nível da enchente de 2024. Em alguns pontos, foram identificados trechos rebaixados e a presença de assentamentos informais de moradores próximos aos diques.

* Falta de Manutenção: A falta de manutenção adequada dos sistemas de bombeamento e de proteção pode ter contribuído para falhas e menor eficiência durante o evento.

* Deficiências nos Sistemas de Alerta: As informações sobre a gravidade da enchente não chegaram à população de forma eficiente. Os alertas emitidos no início dos eventos foram subestimados, e a comunicação com a população em áreas de risco, como as ilhas do Delta do Jacuí, foi insuficiente.

Medidas para mitigar impactos de futuras enchentes em Porto Alegre: recomendações urgentes e de curto e longo prazo

O relatório propõe uma série de medidas para mitigar os impactos de futuras enchentes em Porto Alegre, que foram divididas em três prazos: Urgente (antes de setembro de 2024), Curto Prazo (até o final de 2025) e Longo Prazo (2026-2030).

Ações Urgentes (Antes de Setembro de 2024):

* Determinar o perfil longitudinal das cristas dos diques ao longo de sua extensão de 68 km, em como primeiro trabalho, extraindo-os do DTM de pesquisa LiDAR de 2021, complementado com pesquisas de solo, quando necessário.

* Preparar um mapa de risco de inundação de maio de 2024 de Porto Alegre, com base no levantamento visual de marcas de inundação.

* Analisar amostras de areia de material depositado na margem do Rio Jacuí na Ilha da Pintada.

* Definir um nível de crista de dique a ser adotado para reabilitação/alteamento desses diques como medida temporária antes do início da estação chuvosa de setembro de 2024.

* Executar os Reparos de diques de acordo com necessidades urgentes no período de julho a agosto de 2024.

* Inspecionar de comportas e reparações, substituição ou instalação de uma forma alternativa de proteção.

* Garantir a disponibilidade de capacidade de bombeamento temporária, incluindo aquisição de material.

* Garantir a capacidade de elevação temporária de diques, incluindo aquisições e especificação de necessidades logísticas e de mão de obra.

* Identificar infraestruturas críticas que exigirão proteção adicional por diques ou acessos garantido, como aeroporto, acesso a hospitais etc.

* Melhorar o atual sistema de alerta antecipado de inundações, para funcionar até que um sistema definitivo seja implementado.

* Comece com a preparação de um plano abrangente de resposta a inundações de várias agências

* Crie alguma forma realista de conscientização sobre inundações com o público, por exemplo, usando a mídia pública.

* Organizar uma Conferência de Cocriação de Três Dias ou Hackathon com o tema: “Repensando o Sistema de Gestão de Inundações da Região Metropolitana de Porto Alegre”.

Em preparação para recuperação de longo prazo, adaptação do sistema e alerta antecipado de inundações

* Realizar análises de sensibilidade de várias opções para reduzir gargalos de vazão ao longo do Delta do Rio Jacuí e lagoas com modelos existentes (UFRGS), na preparação de estudos detalhados para aumentar o transporte de água de inundação e diminuir os níveis de inundação como parte do Plano Diretor de Inundação e Drenagem.

* Comissionar a instalação de sensores temporários de nível de água (mergulhadores) em cerca de 10 locais ao longo do Delta do Rio Jacuí, Rio Guaíba e Lagoa dos Patos (a serem operados pelo menos durante as próximas estações chuvosas de 2024 e 2025).

* Medir as vazões fluviais na Ponta da Cadeia, pelo menos duas vezes, em condições de alta vazão durante a estação chuvosa de 2024.

* Iniciar a elaboração dos Termos de Referência para o Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre, em coordenação e cooperação com o Estado do Rio Grande do Sul.

* Realizar uma Mesa Redonda com todos os níveis de governança para explorar o escopo da mudança do arranjo institucional para o novo sistema de proteção contra inundações.

Ações de Curto Prazo (Até o Final de 2025):

* Inspeção mais detalhada da qualidade dos diques.

* Definir um nível de crista de dique a ser adotado para reabilitação/alteamento desses diques como medida provisória até que as medidas de segurança recomendadas pelo Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre tenham sido implementadas.

* Comissão de medidas temporárias de obras de reabilitação/adaptação de diques e comportas para colmatar o período até à entrada em vigor de medidas a médio e longo prazo, na sequência do Plano Diretor de Inundações e Drenagem.

* Continue com a criação de alguma forma realista de conscientização sobre inundações com o público.

* Finalizar a preparação de um plano abrangente de resposta a inundações de várias agências.

Em preparação para recuperação de longo prazo, adaptação do sistema e alerta antecipado de inundações

* Finalizar o Termo de Referência do Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre e encomendar o estudo.

* Preparar os TdR para o estabelecimento do Sistema de Alerta Precoce e comissionar sua instalação, em coordenação e cooperação com o Estado do Rio Grande do Sul Continue medindo os níveis e descargas de água durante 2025.

* Preparar um programa permanente de medição do nível e da descarga da água, baseado em sensores de radar e telemetria, para apoiar o estudo do Plano Diretor de Inundações e Drenagem e o Sistema de Alerta Antecipado de Inundações.

* Encomendar um levantamento batimétrico do Delta do Rio Jacuí, Rio Guaíba e pelo menos a parte norte da Lagoa dos Patos

* Encomendar um levantamento de tamanho / granulometria de partícula de sedimento e profundidade de sedimento para a mesma área.

* Com base nos resultados do Diálogo da Mesa Redonda, encomendar um estudo sobre os arranjos institucionais atuais e futuros desejados para projetar, implementar e gerenciar sistemas e infraestrutura de proteção contra inundações, bem como sistemas de alerta precoce. A análise deve abranger e ser realizada em consulta e coordenação com todos os níveis de governança (municipal, estadual, federal).

Ações de Longo Prazo (2026-2030):

* Concluir os arranjos de financiamento para os investimentos propostos no Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre.

* Finalizar arranjos institucionais para implementar, operar e manter esses investimentos.

* Implementar as medidas de redução de risco de inundação, preconizadas no Plano Diretor de Inundações e Drenagem de Porto Alegre.

* Implementar o Sistema de Alerta Antecipado de Inundações.

O texto ainda enfatiza que a implementação dessas medidas exige uma abordagem integrada, envolvendo todos os níveis de governo, a população e o setor privado. A combinação de medidas estruturais, como a construção de diques e a dragagem de canais, com medidas não estruturais, como o sistema de alerta precoce e a conscientização pública, é essencial para reduzir os riscos de futuras enchentes e proteger a cidade de Porto Alegre.

Recomendações para o Cais Embarcadero

O relatório em questão não traz sugestões de alterações específicas para as estruturas que já existem, como o Muro Mauá, que protege a cidade de Porto Alegre das enchentes, mas que permite a inundação do Cais Mauá. O documento menciona a intenção de transformar os armazéns da avenida Portuária em uma área de entretenimento, similar a outras cidades como Lisboa e Buenos Aires. Para tentar viabilizar esta área de lazer, o relatório suscita a seguinte solução:

* Dique Fixo Baixo: Construir um dique fixo com cerca de 1 metro de altura ao longo da área preservando a vista para o rio. A altura exata dependeria de análises do Plano Diretor de Inundações e Macrodrenagem, considerando a frequência de cheias e o nível de proteção desejado.

* Proteção Temporária com Sacos de Areia: Em caso de risco de inundações maiores, complementar a proteção com uma fileira dupla de “big bags” preenchidos com areia, elevando a barreira em até 2 metros adicionais. Essa medida, acionada pelo sistema de alerta de inundações, seria utilizada em eventos extremos, com menor frequência (a cada 10 a 50 anos, por exemplo).

Vantagens:

* Preservação da Vista: O dique baixo mantém a conexão visual com o rio, essencial para a proposta turística da área.

* Proteção em Eventos Extremos: Os “big bags” garantem proteção adicional em situações de enchentes severas, como a de 2024.

* Custo-Benefício: A solução híbrida equilibra a necessidade de proteção com os custos de implementação e manutenção.

Considerações:

* Logística dos “Big Bags”: É preciso planejar o armazenamento, transporte e instalação rápida dos “big bags” em caso de necessidade.

* Altura do Dique Fixo: A altura ideal do dique fixo deve ser determinada pelo Plano Diretor de Inundações e Macrodrenagem da cidade, considerando as frequências e níveis de inundação esperados para a área.

* Sistema de Alerta: Um sistema eficaz de alerta de inundações é essencial para garantir que os “big bags” sejam instalados com antecedência suficiente, protegendo a área de forma eficaz.

* Manutenção: A estrutura do dique fixo e os “big bags” devem receber manutenção regular para garantir sua eficácia em situações de emergência.

A viabilidade dessa solução para o Muro da Mauá depende de análises específicas sobre o local, considerando o espaço disponível, a altura do muro existente e a frequência de inundações na área. Um estudo de viabilidade, integrado ao Plano Diretor de Inundações e Macrodrenagem, poderia avaliar os aspectos técnicos e financeiros dessa proposta.

Medidas para proteger o Aeroporto Internacional Salgado Filho de futuras inundações

Embora o relatório não detalha medidas específicas para o Aeroporto Internacional Salgado Filho, ele identifica a sua vulnerabilidade a inundações e sugere ações gerais que podem ser aplicadas para aumentar a resiliência de infraestruturas críticas. O relatório destaca que o aeroporto sofreu graves impactos durante a inundação de maio de 2024, com alagamento de suas principais estruturas e interrupção das operações.

Recomendações Gerais Aplicáveis ao Aeroporto:

Plano Diretor de Inundações e Macrodrenagem: O relatório recomenda fortemente a elaboração de um Plano Diretor de Inundações e Drenagem para Porto Alegre, com atenção especial à proteção de infraestruturas críticas como o aeroporto. Esse plano deve incluir:

* Análise detalhada dos riscos de inundação na área do aeroporto.

* Definição de níveis de proteção adequados para a infraestrutura aeroportuária.

* Elaboração de medidas estruturais e não estruturais para reduzir os riscos.

Medidas Estruturais:

* Diques e Barreiras: Construção de diques ou barreiras de proteção ao redor da área do aeroporto, com altura suficiente para conter as cheias, considerando os níveis projetados pelo Plano Diretor.

* Estações de bombeamento: Implementação de um sistema de bombeamento eficiente para remover o excesso de água da área do aeroporto em caso de inundação. As bombas devem ser dimensionadas para operar mesmo em cenários de transbordamento dos sistemas de proteção.

Medidas Não Estruturais:

* Sistema de Alerta Antecipado: Integrar o aeroporto ao sistema de alerta antecipado de inundações da cidade, recebendo informações tempestivas sobre os riscos e previsões de inundação.

Documento identifica “gargalos no fluxo hídrico” da Região de Porto Alegre

1. Ponta da Cadeia (Incluindo o Delta do Rio Jacuí):

* Localização: Próximo à Usina do Gasômetro, onde o Rio Jacuí encontra o Lago Guaíba.
* Características: Largura de aproximadamente 1000 metros com profundidade média de 2 a 3 metros.

* Problema: A reduzida profundidade e a largura do rio neste ponto, incluindo a área do Delta do Rio Jacuí a montante (com aproximadamente 11 km de extensão), restringem a vazão da água, criando um efeito de “engarrafamento” durante as cheias.

* Evidências: Medições da UFRGS durante a enchente de maio de 2024 indicaram uma vazão de 40.000 m³/s na Ponta da Cadeia, e a elevação linear do nível da água a montante a partir deste ponto demonstra o efeito de represamento.

2. Ponta de Itapuã:

* Localização: Aproximadamente 40 km ao sul da Ponta da Cadeia, ao longo do Rio Guaíba.

* Características: Estreitamento do Rio Guaíba para aproximadamente 3,7 km de largura.

* Problema: A redução drástica da largura do rio neste ponto limita a vazão da água em direção à Lagoa dos Patos.

* Evidências: Simulações da UFRGS indicam que a dragagem em Ponta de Itapuã, em conjunto com a dragagem na Ponta da Cadeia, poderia reduzir ainda mais os níveis de inundação.

3. Barra de Rio Grande:

* Localização: Saída da Lagoa dos Patos para o Oceano Atlântico.

* Características: Constrição na saída da Lagoa dos Patos.

* Problema: A capacidade de escoamento da Lagoa dos Patos para o oceano é limitada neste ponto, o que retarda o esvaziamento da Lagoa e contribui para a manutenção de níveis elevados de água em toda a região, impactando também Porto Alegre.

* Evidências: A lenta redução do nível da água na Lagoa dos Patos após a enchente de maio de 2024, mesmo um mês após o evento, demonstra a restrição de fluxo na Barra de Rio Grande.

O relatório sugere que a dragagem, especialmente na Ponta da Cadeia e Ponta de Itapuã, poderia aumentar a capacidade de escoamento do sistema e reduzir os níveis de inundação em Porto Alegre. No entanto, ressalta a necessidade de estudos aprofundados para avaliar os impactos da dragagem na morfologia do sistema e a viabilidade da dragagem na Barra de Rio Grande.

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