No terceiro dia, o júri popular do caso Becker tomou, nesta quinta-feira, o depoimento de sete testemunhas, sendo três de acusação e outras quatro de defesa. Questionamentos referentes às provas dos autos marcaram os interrogatórios, suspensos perto das 20h30min. A sessão vai ser retomada, às 9h desta sexta, sem garantia de quando a sentença final vai ser conhecida. Então vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), o oftalmologista Marco Antônio Becker morreu baleado, em 2008, na zona Norte de Porto Alegre.
A sessão começou, por volta das 9h30min, com o depoimento do médico e, à época, integrante do Cremers Fernando Weber Matos, que anos mais tarde veio a presidir a entidade. Questionado sobre o poder de influência específico de um conselheiro em decisões, tanto do Cremers, quanto do Conselho Federal de Medicina (CFM), Matos citou ser inexistente. “Não existe influência, de ninguém contra ninguém. Inclusive, o conselheiro vai votar de acordo com a sua consciência“, ressaltou.
No entendimento do Ministério Público Federal, o médico Bayard Ollé Fischer Santos, alvo de uma investigação ética do Cremers e prestes a perder o diploma após a recomendação de Becker, se uniu a Juraci da Silva, que devia favores a ele, para planejar o crime. Já o réu Michael Noroaldo Garcia Câmara, para a acusação, executou o assassinato, e Moisés Gugel, ex-assessor do andrologista, intermediou as conversas entre Bayard e Juraci. A vítima Marco Antônio Becker não participou dos julgamentos envolvendo a cassação de Bayard, em nenhuma esfera.
Segundo depoente do dia, o major Márcio Batista, à época do crime comandante da Brigada Militar, falou, sobretudo, de ações policiais realizadas no Campo da Tuca, onde Juraci era líder do tráfico. O militar confirmou a relação de hierarquia entre Michael e Jura. “Ele [Michael Noroaldo Garcia Câmara] era um faz tudo, ele recebia as ordens. Inclusive, através de um dos áudios dele [por meio da quebra de sigilo durante ações no Campo da Tuca], a gente conseguiu interceptar um carro [utilizado pela facção] com armamento, e ele foi preso”, disse Batista.
Terceiro a depor como testemunha de acusação, Marco Antônio Zatta, perito da Polícia Federal, citou não ser possível definir se a moto apreendida pela corporação havia sido a mesma usada para matar o médico. “[As motos] eram compatíveis com marca e modelo, eu posso falar até aí. Para dizer que eram exatamente as mesmas [motos], eu teria que ter um elemento identificador. Mas eu também não posso excluir [a possibilidade de serem a mesma moto], elas estão dentro do mesmo conjunto”, mencionou.
Na terça e quarta-feira, outras duas testemunhas de acusação depuseram: o delegado responsável pela investigação, Rodrigo Bozzetto, e Gustavo Fleury, que na época era inspetor da Polícia Civil. Somados, os dois depoimentos duraram mais 17 horas.
Na meio da tarde desta quinta, a primeira testemunha de defesa começou a depor. O perito criminal Joel Ribeiro Fernandes contrapôs falas de Marco Antônio Zatta. Para o especialista, é possível descartar que a moto apreendida tenha sido a mesma de um vídeo do dia do crime por fatores como a diferença de farol. “Na moto apreendida, o farol é mais estreito, é bem pequeno, enquanto que na moto do vídeo dá para ver que tem uma profundidade maior [mostrando uma diferença entre os modelos]”, destacou a testemunha.
Durante a fala de Joel Fernandes, a sessão teve de ser suspensa, por cerca de 50 minutos, após uma discussão entre os promotores e o perito. O MPF questionou a veracidade de uma fala de Fernandes ao ser perguntado se, atualmente, responde a um inquérito policial em andamento.
Na sequência, depôs a segunda testemunha de defesa. O tenente-coronel reformado Érico Flores era, em 2008, major da Brigada Militar. Ele respondeu sobre o acesso de civis aos centros de treinamento da corporação, que de acordo com o depoente, não é permitido. “O centro de treinamento de Montenegro [para o uso de armas] é usado primariamente pela Brigada Militar, mas abriga eventualmente algum curso das demais áreas de Segurança Pública ou outros órgãos de Estado”, mencionou.
O questionamento ocorreu porque os estojos da munição que atingiu Marco Antônio Becker tinham números indicando serem pertencentes à Brigada Militar.
Sexta pessoa a ser ouvida nesta quinta – e terceira testemunha de defesa, Dempsey Magaldi, atual instrutor de armamento e tiro, avaliou que quem desferiu os tiros contra o médico era experiente no manuseio e uso de armas. “Indicava ser uma pessoa com um profundo conhecimento no manuseio de arma e técnicas de tiro para fazer aqueles disparos com aquele grupamento [os quatro disparos foram muito próximos entre si, indicando se tratar de alguém que sabia atirar]”, mencionou.
Já o último depoente do dia, o médico especialista em disfunções sexuais masculinas Sérgio Iankowski, teve a oitiva mantida sob sigilo, sem transmissão pública pelo YouTube da Justiça Federal. Após a quarta testemunha de defesa, foram encerradas as oitivas do dia.
Seis outros arrolados pelos advogados dos réus ainda devem depor. Inicialmente, havia 11 testemunhas indicadas, mas as defesas concordaram em não ouvir o também ex-presidente do Cremers Cláudio Franzen.
Na sequência das testemunhas, serão ouvidos os quatro réus, seguidos dos debates orais entre a acusação e as defesas, com possibilidade de réplica e tréplica. Ao final, o juiz federal Roberto Schaan Ferreira se reúne com o júri, composto por quatro mulheres e três homens, para a votação dos quesitos da sentença final.
O processo passou a tramitar na Justiça Federal, que recebeu a denúncia em 2013, após o Superior Tribunal de Justiça interpretar que o homicídio havia sido motivado pela influência que Marco Antônio Becker exercia não só junto ao Cremers, mas também diante do Conselho Federal de Medicina.
O assassinato de Becker ocorreu na noite de 4 de dezembro de 2008, quando ele saía de um restaurante na rua Ramiro Barcelos, no bairro Floresta, na capital. Quatro tiros foram disparados por dois homens, em uma moto. A morte ocorreu em decorrência de uma hemorragia interna.