Ciclone extratropical: o que provocou o fenômeno no RS e qual a chance de se repetir

Evento se espalhou por todo Rio Grande do Sul ao longo da sexta-feira

Foto: Ricardo Giusti/Correio do Povo

O Correio do Povo selecionou as principais dúvidas sobre o ciclone extratropical que atingiu parte do Rio Grande do Sul nesta sexta-feira. Além de transtornos, o fenômeno provocou mortes e desaparecimentos, tirando milhares de pessoas de casa.

Confira:

O que aconteceu?

Um ciclone extratropical se formou sobre o Atlântico na costa do Sul do Brasil, junto ao Sul de Santa Catarina e o litoral Norte gaúcho. A baixa pressão se originou na costa de São Paulo, onde gerou muita chuva e inundações em São Sebastião, e se deslocou para o Sul até se intensificar muito entre quinta à noite e o começo da sexta a Leste de Torres como um ciclone extratropical maduro.

Ciclones são normais?

Sim. Ciclones são absolutamente comuns em nosso clima e ocorrem no Atlântico Sul semanalmente. Não raro, ocorrem dois ou três ciclones no Sul do Atlântico perto da Argentina e da Antártida. Já ciclones na costa do Sul do Brasil, embora não sejam anormais, são menos frequentes.

Como se classifica o ciclone desta sexta?

Tratou-se de um ciclone de natureza extratropical, ou seja, com todo o centro frio. Já a tempestade Yakecan, de maio do ano passado, era um ciclone subtropical, logo com centro quente em superfície e frio em altura. Diferente dos tropicais e subtropicais, ciclones extratropicais não recebem nomes específicos no Brasil.

Este ciclone teve algo de diferente?

Sim. Assim como a tempestade subtropical Yakecan de maio de 2022, o ciclone extratropical desta sexta avançou de Leste para Oeste, do mar para o continente, quando a trajetória normal de ciclones é de Oeste para Leste. O Yakecan veio do Sul, ao se formar na costa da Argentina, e o sistema desta sexta veio do Norte, após ter se originado na costa paulista.

Por que choveu tanto?

O centro do ciclone agia muito perto da costa, entre o fim da quinta e o começo desta sexta, com nuvens mais carregadas a Oeste – ou seja, sobre o Nordeste gaúcho. Por isso, houve registro de chuva extrema na Serra, litoral Norte, Grande Porto Alegre e Vales.

O fluxo de umidade do oceano para o continente pela tempestade costeira era intenso, com vento muito forte em baixos níveis da atmosfera, contribuindo para os volumes de chuva em excesso. Uma vez que a pressão não era muito baixa no centro do sistema, a chuva acabou sendo o maior impacto, embora o vento tenha atingido 80 km/h em Porto Alegre e mais de 100 km/h no litoral Norte.

Foi uma chuva fora do normal?

Bastante. Foi um evento histórico de precipitação. É muito raro o registro de volumes de chuva tão altos quanto os registrados em Porto Alegre, nos vales e região Metropolitana em tão pouco tempo. Na encosta da Serra junto ao litoral Norte, por efeito do relevo (orografia), esses episódios extremos ocorrem com maior recorrência. Houve um, por exemplo, na primeira semana de março deste ano.

Para se ter ideia dessa anormalidade, Porto Alegre teve o maior acumulado de precipitação em 24 horas em junho de toda a série histórica (iniciada em 1916). Foram 141,6 mm até 9h desta sexta, superando o recorde mensal de 138,8 mm, de 15 de junho de 1982. A média histórica de precipitação de Porto Alegre em todo o mês de junho é de 130 mm.

O volume até as 9h desta sexta, de 209,0 mm em Campo Bom, bateu recorde em 24 horas, no mês de junho, em uma estação do Instituto Nacional de Meteorologia no Rio Grande do Sul, desde o ano de 1961. A chuva até o meio da tarde desta sexta atingia quase 350 mm na região de Maquiné, no litoral Norte, variando de 200 mm a 275 mm no Vale do Sinos – quase dois meses de precipitação em 30 horas.

Como esse ciclone se compara com os anteriores?

O sistema guarda semelhança com um ciclone da primeira semana de maio de 2008. Há quinze anos, a área mais atingida havia sido justamente a mesma: o Nordeste gaúcho. Como agora, choveu excessivamente na capital, área Metropolitana, vales e litoral, com acumulados extremos acima de 200 mm em poucas horas. A diferença é que no ciclone de 2008 o vento era muito mais forte, passando de 120 km/h em muitos locais, como Porto Alegre.

O El Niño favoreceu o ciclone?

Não é possível estabelecer essa correlação. Ciclones ocorrem em qualquer época do ano, estando o Pacífico neutro ou com El Niño ou La Niña.

Teremos mais ciclones neste ano?

Muito provavelmente. Ciclones podem afetar o Rio Grande do Sul em qualquer época do ano, porém são mais comuns no inverno e na primavera. Se vai ou não haver com tantos impactos como o de sexta, só é possível se prever dias antes.