Dossiê contabiliza 273 mortes violentas de pessoas LGBTI+ no país em 2022

Embora total de crimes de ódio tenha apresentado declínio em relação ao ano anterior, país segue campeão no ranking mundial há 14 anos, aponta ONG

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Dossiê divulgado nesta quinta-feira no site do Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil denuncia a ocorrência de 273 mortes dessas pessoas, de forma violenta no país, em 2022. Desse total, 228 foram assassinatos, correspondendo a 83,52% dos casos; 30 casos envolveram suicídio (10,99%) e 15 mortes tiveram outras causas (5,49%). No relatório, a sigla LGBTI+ se refere a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, não binárias e demais dissidências sexuais e de gênero. O dossiê vai ser lançado na próxima terça, às 16h, em Brasília, junto com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.

A organização não governamental (ONG) Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+, que existe desde janeiro de 2020, teve como fundadores Alexandre Bogas, diretor executivo da Acontece – Arte e Política LGBTI+, e o Grupo Gay da Bahia (GGB). Também compõem a entidade a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). A elaboração do dossiê teve apoio do Fundo do Reino dos Países Baixos e do Fundo Brasil de Direitos Humanos, que vêm financiando ações realizadas pela Acontece LGBTI+.

Mortes
Em entrevista à Agência Brasil, Alexandre Bogas destacou que as 273 mortes correspondem a uma pessoa LGBTI+ assassinada a cada 32 horas, ou a uma média de duas mortes a cada três dias. O relatório levou em conta registros de casos relatados em redes sociais e portais eletrônicos, por meio de notícias e reportagens online. São procuradas informações também em institutos médicos legais (IMLs) e secretarias de Segurança Pública. Bogas disse que esses dados, embora mais restritos, também são trabalhados pelo observatório. Há também relatos pessoais incluídos na investigação. “A dificuldade principal nossa são os recursos, e a gente acaba dependendo de muito voluntariado para isso funcionar”.

Embora o total de crimes de ódio tenha apresentado declínio em relação ao ano anterior, quando foram registradas 316 mortes, Bogas afirmou que o Brasil continua campeão no ranking mundial há 14 anos, seguido pelo México, com 120 mortes. Em 2020, foram apurados 237 assassinatos no país. “O Brasil é o país onde mais se mata LGBT no mundo”, lamenta o diretor.

Segundo o fundador do observatório, o dossiê evidencia que o Brasil segue sendo um país violento, em especial, porque muitos casos envolvem agravantes, como a desfiguração do rosto das pessoas, corte de órgãos genitais e estupro.

O dossiê denuncia também a falta do olhar público para essas situações. Além disso, em muitos casos, não se consegue descobrir que é o autor dos crimes. “O dossiê vem, justamente, fazer um alerta, vem denunciar o que vem acontecendo no Brasil desde sempre”. Embora os números apurados representem número elevado de assassinatos relacionados à identidade de gênero ou orientação sexual, esses dados ainda são subnotificados no Brasil.

O relatório de 2022 identificou 159 mortes de travestis e mulheres trans – incluindo 18 suicídios só nesse segmento -, 96 de homens gays, oito de lésbicas, oito de homens trans e pessoas transmasculinas, uma de pessoa não-binária e uma de integrante de outras denominações.

Em relação à raça, 91 vítimas eram pretas e pardas e 94, brancas. O dossiê também destaca que 91 vítimas tinham entre 20 a 29 anos (33,33% dos casos). Além disso, 74 mortes ocorreram por arma de fogo e 48 mortes por esfaqueamento. As violências praticadas contra LGBTI+ ocorreram em ambientes diversos, como via pública, lar, prisão e local de trabalho.

No que se refere à distribuição geográfica dos assassinatos, 118 foram registrados no Nordeste e 71, no Sudeste. O dossiê aponta o Ceará como o estado com o maior número de vítimas (34), seguido por São Paulo (28) e Pernambuco (19). Considerando-se, porém, o número de vítimas por milhão de habitantes, o ranking da violência LGBTIfóbica é liderado pelo Ceará, com 3,8 mortes, Alagoas (3,52) e Amazonas (3,29).

Dados preliminares de 2023, divulgados no relatório, revelaram que nos primeiros quatro meses do ano foram registrados 80 assassinatos de pessoas LGBTI+, sendo que a população de travestis e mulheres trans representa 62,5% do total de mortes (50); os gays, 32,5% dos casos (26 mortes); homens trans e pessoas transmasculinas, 2,5% (duas mortes); e mulheres lésbicas, 2,5% (duas mortes). Não houve caso de morte violenta de pessoas bissexuais até o momento.

Segundo o observatório, diferentes formas de mortes violentas de pessoas LGBTI+ vêm ocorrendo no Brasil desde o período da colonização, “mesmo antes das denominações atuais de sexualidade e gênero”. “Em função da LGBTIfobia estrutural, essas pessoas são colocadas em situação de vulnerabilidade por não se enquadrarem em um padrão socialmente referenciado na heteronormatividade, na binariedade e na cisnormatividade”, critica a ONG. A organização calcula que, entre 2000 e 2022, 5.635 pessoas morreram em função do “preconceito e da intolerância de parte da população e devido ao descaso das autoridades responsáveis pela efetivação de políticas públicas capazes de conter os casos de violência”. A homofobia configura crime no Brasil, assim como o racismo. A pena pode variar entre um a cinco anos, dependendo do ato homofóbico, além da aplicação de multa.

O dossiê sugere várias ações em termos de política pública para reverter esse quadro e tratar com mais igualdade essas pessoas. Entre elas, educação nas escolas, protocolo de policiais e campanhas públicas que incluam a diversidade. Essas políticas podem auxiliar, por exemplo, no aumento da empregabilidade, na capacitação de profissionais da saúde e na criação de delegacias especializadas em grupos vulneráveis, indicou a ONG.