O empresário Stenio Rodrigues Fernandes – arrolado pela defesa do réu Elissandro Spohr -, disse no sexto dia de julgamento do Caso Kiss, que a boate tinha a melhor estrutura entre as casas noturnas de Santa Maria. “Para mim, para todos os funcionários, a Kiss tinha a melhor estrutura da cidade. Era a casa mais bonita”, afirmou. Fernandes trabalhava fazendo a divulgação dos eventos e era responsável pela comercialização dos ingressos para os clientes do estabelecimento.
A testemunha, no entanto, descreveu já ter ficado sabendo de alguns problemas estruturais da Kiss envolvendo a acústica da casa. “Eu me recordo dos problemas de acústica. É uma coisa que eu me lembro perfeitamente, é eu questionando o Kiko (Elissandro) a respeito do assunto. Pelo que eu entendia, o grande problema da acústica era uma vizinha, ela era 100% a pessoa que falava sobre essa parte”, relembrou.
No dia do incêndio, que provocou a morte de 242 pessoas, o empresário conta ter ficado na Kiss durante a tarde e uma parte da noite, trabalhando com os ingressos. Ele relata ter saído por volta da meia-noite e não ter retornado mais. O motivo foi uma viagem a Caçapava do Sul, a convite de um amigo. Ele não deu detalhes sobre a lotação do estabelecimento no dia. “Não me recordo de como tava a casa, se tinha fila. É uma coisa que eu não tenho memória”, alegou.
Sobre a quantidade de ingressos vendida no dia da tragédia, o depoente disse que foram comercializados 862 em inquérito feito pela Polícia anteriormente. “Chutei aquele número. Não tenho certeza de quantos foram”, relatou ao juiz Orlando Faccini Neto. Conforme o empresário, as condições de depoimento na delegacia da época não foram adequadas. “Na delegacia houve bastante pressão psicológica para eu falar o que eu sabia. Eu estava em estado de choque. Perdi amigos também, um era meu sócio”, lamentou.
Funcionamento da Kiss
De acordo com a testemunha, a lotação da casa de uma forma geral obedecia a uma espécie de regra: quando havia um evento especial em determinada parte da casa, havia lotação neste compartimento em específico. Mas não era comum o estabelecimento estar com todos os cômodos com muita gente, conforme o participante do julgamento. Todas as pessoas que estavam na Kiss, incluindo os funcionários, deveriam ter comandas. Em caso de extravio, segundo o depoente, era necessário pagar uma taxa, sem especificar quanto.
O depoente disse nunca ter visto shows pirotécnicos na boate, mas velas que pegavam fogo postas em bebidas eram presentes na casa. Sobre os extintores, ele afirma nunca ter prestado muita atenção, mas sabia da existência dos equipamentos nos fundos, perto do banheiro, e também no pub. Fernandes ainda afirmou ter frequentado a casa do réu Elissandro, prática comum, segundo ele, aos funcionários da casa.
Uma semana antes da tragédia, o empresário detalhou ter presenciado um show da banda Gurizada Fandangueira com pirotecnia em outra boate. Na ocasião, ele descreve incômodo de algumas pessoas na casa noturna. “Eu não vi que tavam queimando as pessoas. Eu me recordo que incomodou porque estava chuviscando. Eles colocaram em cima da caixa de som, e a gente estava encostado na caixa de som e aquilo tava chuviscando pro chão”, destacou.
Depoimentos do domingo
Nesse domingo, foram ouvidas três pessoas. O primeiro deles foi o engenheiro civil Thiago Mutti, que participou da reforma da boate em 2009, quando sua família era proprietária do local. Ele alegou que o estabelecimento estava dentro da lei antes dos novos sócios. “Foi aberta uma empresa, uma sociedade. Foi contratada uma engenheira pra fazer o projeto e aprovar na prefeitura. Projeto dos bombeiros, foi contratado um profissional e foi aprovado. Tava tudo dentro das normas”, afirmou.
Em seguida foi escutada a vítima Delvani Rosso. Ele relatou ter reaprendido a caminhar e permanecido um mês na UTI. Em algumas oportunidades, a testemunha precisou silenciar o depoimento e também chorou. “Eu lembro que, apesar da lotação, estava tudo correndo normal. Lembro que vi um menino pulando na copa e gritando que tinha fogo. Não dei muita bola, pensei que fosse briga. Estávamos em sete amigos, e entrelaçamos os braços. Fomos caminhando para sair. Perto do aquário as pessoas estavam muito agitadas. Quando vi, era cada um por si. Quando ficou escuro, vi que a fumaça ficou muito forte. Percebi que eu não conseguiria sair. Comecei a inalar a fumaça e meus joelhos ficaram fracos e perdi a força”, descreveu, muito emocionado.
A segurança Doralina Peres encerrou os depoimentos desse domingo. Ela, que trabalhava como funcionária de uma empresa de segurança que prestava serviço ao local, foi levada ao julgamento como vítima apresentada pela defesa de Elissandro Spohr. Sem dar detalhes sobre a noite em que ocorreu o incêndio, lembrou que perdeu cinco colegas de trabalho, duas mulheres e três homens.
*Com informações do repórter André Malinoski