O plenário do Senado Federal aprovou em dois turnos, nesta quinta-feira, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, após diversas alterações e com o texto inicial desidratado. O placar do primeiro turno ficou em 64 votos favoráveis e 13 contrários, e o segundo, em 61 a 10. Depois da aprovação na Câmara dos Deputados, o texto passou por mudanças para conseguir apoio dos senadores, como a vinculação do espaço fiscal aberto para fins sociais e o limite máximo para o pagamento dos precatórios vigorando até 2026, e não até 2036, como queria o governo.
O governo tinha urgência na aprovação do projeto, que é a grande aposta para um alívio financeiro que resulte em recursos para a execução do Auxílio Brasil, uma nova formatação do Bolsa Família, com pagamento de parcelas de R$ 400. A PEC posterga o pagamento de precatórios pela União. Atualmente, a dívida prevista para 2022 é de R$ 89,1 bilhões. O que o governo quer é não precisar desembolsar a quantia e, assim, abrir respiro financeiro para o Auxílio Brasil.
Precatórios são dívidas que a União é obrigada a pagar por já ter acabado a possibilidade de recursos na Justiça. O texto passou na Câmara, em dois turnos, após enfrentar dificuldade, mas enfrentou ainda mais entraves no Senado. O principal ponto de questionamento envolvia o espaço fiscal aberto no Orçamento de 2022, na ordem de R$ 106,1 bilhões, com um receio por parte dos senadores de uso do valor para outros fins que não os informados pelo governo — como emendas de relator (o chamado ‘orçamento secreto’).
Para abrir o espaço fiscal, a proposta estabelece um “teto” da quantia máxima a ser paga em precatórios no ano que vem — de aproximadamente R$ 41 bilhões. O texto também altera o cálculo do Teto de Gastos (norma de austeridade fiscal que limita o aumento dos gastos federais ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação), que também abre um espaço fiscal.
O líder do governo e relator da proposta no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) articulou com os pares até o último segundo para conseguir os votos necessários para aprovar a proposta (no mínimo 49). Na manhã desta quinta-feira, ele se reuniu na liderança do PSDB com o líder Izalci Lucas (DF), o senador José Aníbal (SP) e o líder PT na Casa, Paulo Rocha (PA).
Após o encontro, Aníbal afirmou que o governo havia recuado no prazo até 2026 e na securitização das dívidas tributárias, também suprimida do texto. “A medida, apesar de meritória, não encontrou consenso no Senado Federal, não havendo prejuízo deixar essa discussão para outro momento”, explicou no documento.
Também houve alteração com a inclusão, no rol dos direitos sociais constitucionalizados, de uma renda mínima garantida pelo poder público para todo brasileiro em situação de vulnerabilidade.
Líder do Cidadania, o senador Alessandro Vieira (SE) pontuou que o Senado recebeu do governo e da Câmara uma proposta muito diferente. “A proposta era de escrever na Constituição o direito de o estado brasileiro ser mau pagador. Mas o que estamos votando agora é uma forma de estruturação de pagamento, com prazo definido; um subteto que vai só até 2026. Foi feita a exclusão do Fundef. Assim, o risco de uma bola de neve incontrolável não existe mais. É resultado do trabalho árduo de vários partidos”, afirmou.
Partidos de oposição não orientaram voto contrário à PEC. O PT, por exemplo, orientou voto favorável, e a oposição liberou a bancada.
Vinculação do espaço fiscal
Havia, ainda, receio relativo a um trecho do projeto que se refere à vinculação do espaço fiscal para fins sociais – o que não está no corpo do artigo do projeto que trata sobre isso. Na avaliação de alguns senadores, o risco era de fatiamento da PEC na Câmara, com a retirada dessa vinculação. Isso porque por ser uma proposta que altera a Constituição, em caso de alteração em uma das Casas a proposta volta, tendo em vista que texto aprovado precisa ser o mesmo na Câmara e no Senado.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que era inicialmente contrária à PEC ao texto aprovado na Câmara, pontuou essa questão. “Vamos aceitar dar um voto na PEC, que passa a ser a PEC da responsabilidade social”, afirmou nesta quinta-feira. A senadora apelou para que não se autorize que a Câmara desmembre os textos colocados e retire o texto primordial para conseguir os votos dos senadores, “que é a vinculação de todo o espaço fiscal, de mais de R$ 100 bilhões, para a seguridade social – Auxílio Brasil, previdência, Saúde”. “Queremos esse compromisso oficial”, afirmou.
O líder do PSDB, senador Izalci Lucas (DF), realizou um apelo semelhante. “Difícil votar as matérias no Senado quando se desconfia da Câmara. Esse entendimento Câmara-Senado precisa ser resolvido; a gente ter certeza de que o que se vota aqui vai ser respeitado lá. Então, que eles não mudem lá. Então, é um compromisso que cobramos do líder Fernando, para não haver mudança na Câmara no texto final”, pontuou.
Outras alterações
Para conseguir uma quantidade de votos suficientes, Bezerra teve que negociar uma série de alterações. A principal preocupação era conseguir apoio das bancadas do MDB e do PSD, as duas maiores da Casa, com 27 senadores no total. O líder do governo se reuniu na manhã desta quinta-feira com o PSD, e a bancada definiu voto favorável após conseguir as alterações.
Além do auxílio permanente, que já havia sido definido, e a redução do limite para pagamento de precatórios (até 2026), a bancada comemorou a ordem de prioridade para o pagamento dos precatórios, começando pelas requisições de pequeno valor. Em seguida, devem ser pagos os precatórios de natureza alimentícia cujos titulares tenham 60 anos ou mais, sejam portadores de doença grave ou alguma deficiência. Por fim, os demais precatórios de natureza alimentícia.
Para atender o PSD, o relator também retirou os precatórios relacionados ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) do Teto de Gastos e estipulou um parcelamento em três anos, a partir de abril de 2022.