Onça enfreada – Um dos causos do Romualdo.

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

Isto passou-se em Minas Gerais, lá em cima, no Ribeirão das Gralhas.
Eu estava numas grotas, no fundo do mato grosso; tinha ido melar; era um dia muito quente. E tinha ido montado numa mula ruça, de boa marcha e muito mansa.
Cheguei, escolhi o ponto de parada, tirei o freio à mula e atei-a pelo cabresto, para ela ir roendo alguma criciúma que por ali havia.
Era o pino do meio dia.
Deu-me uma lombeira, uma preguiça que não lhes digo nada ! Peguei a cochilar. Dormi. E anoiteceu. Escuro, como breu! E dentro do mato! Então só mesmo quem nunca viu o que é uma noite escura de mato o escuro é preto, o preto é negro, o negro é retinto.
De repente, mesmo pesado de sono, senti faro de perigo. Olhei, e vi, na minha frente, por entre as árvores, um grupo de bugres, ferozes, já de arco entesado e flecha pronta, fazendo pontaria sobre mim ! Se o luar não fosse tão claro ainda, talvez eu pudesse esconder-me. Disfarcei, e fazendo que os não via, para não os alarmar, fui-me esgueirando para trás, recuando, devagarinho, de mansinho recuando.
Com o intento- é claro !- de cavalgar a mula e fugir, tive a cautela de passar a mão no freio, os arreios que ficassem !
Sempre recuando, e sem despregar os olhos dos bugres, de costas topei com um animal que respirava forte; e sempre sem me voltar, atento aos índios, passei-lhe a cana da rédea no pescoço, enfreei o animal, e quando, pelo tato, senti que estava pronto, montei-o de salto, cravei-lhe as esporas e dirigi a montaria, procurando a beirada do mato.
Nesse instante os bugres descarregaram os arcos, as flechas ventaram em volta de mim mas era tarde – eu já estava fora do alvo!
Gesticulando, estorcendo-se, num alarido medonho, os selvagens saíram-me nas pisadas.
E eu, vá espora!
Notei então que o animal era habilíssimo dentro do mato: não esbarrava nos troncos, não se enredava nos cipós, não tocava nos espinhos, saltava pedras, pulava buracos; apenas, por vezes, junto aos paus grossos, entreparava-se, fazendo menção de querer subir por eles acima. Então, eu dava a rédea, e vá espora !
Enfim, ao clarear do dia, consegui chegar à aba do mato, sair para a várzea, que era a salvação.
Apeei-me acendi o cigarro e quando puxava a primeira tragada, atirei-me para trás, apavorado!
Eu havia enfreada uma onça!
Montei uma onça, nela havia fugido, na onça atravessei a floresta!
Pode parecer exagero; mas tudo se explica: enquanto eu dormia, a onça havia atacado e devorado a mula; os bugres, que isso viram, preparavam-se para flechar a fera e não a mim, como supus, e daí, a minha precipitação em fugir deles; e de costas no escuro, julgando – de boa fé – enfrear a mula, enfreei a onça e montei. Como nesse momento ela estivesse meio engasgada com um pedaço de carniça, não urrou, e, depois de enfreada, não pôde. E, vai, como as esporas doíam-lhe, ela obedeceu, disparou e tanto, que os bugres perderam-nos de vista.
Mas, como dizia: apeei-me, e vendo a onça, fiquei apavorado; e ela, sentindo-se aliviada, também não esperou mais nada; miou de gato, e ganhou o mato !