Com dificuldades para manter as operações do transporte público, empresas privadas e a Carris, que é pública, vêm pedindo auxílio à prefeitura para cobrir as despesas ordinárias em Porto Alegre. Apesar do apelo das concessionárias por aporte financeiro, o prefeito Sebastião Melo adverte que se empresários não apresentarem uma proposta de repactuação dos valores, o desfecho pode se dar na Justiça.
Os problemas no setor envolvem atraso de salários e falta de coletivos para atender à demanda, no que pode acarretar no colapso do sistema de transporte. As empresas Restinga e Trevo, cujas linhas deixaram de circular na semana passada, retomaram as operações. “Estou na mesa de negociação, sou um radical das negociações. Se não houver compromisso dos empresários em repactuar as dívidas, eu não boto dinheiro no sistema. O sistema vai colapsar, se eles estão dizendo, e aí vamos resolver no jurídico. Na democracia a gente resolve no jurídico”, sintetiza Melo.
O prefeito enfatiza que no ano passado a prefeitura “botou” R$ 40 milhões no sistema de transporte e mais R$ 16 milhões neste ano, além de garantir 19 linhas da Carris durante um período para fazer as linhas do setor privado. “A prefeitura tem botado muito dinheiro no sistema, o que não estou disposto a botar é dinheiro num sistema que está falido”, completa. Melo antecipa ainda que vai pedir uma inspeção especial junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) para verificar se o valor técnico da tarifa está correto. “Há cinco anos que não há apuração.”
Melo se reuniu nesta terça com a diretoria da Carris e representantes do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários de Porto Alegre (Stetpoa) e condicionou qualquer novo repasse a uma proposta de corte de custos pela empresa, a ser apresentada imediatamente. A empresa pediu aporte de mais R$ 6 milhões.
ATP: “Se não ocorrer aporte do governo, sistema vai entrar em colapso”
Desde a semana passada, quando pelo menos 36 ônibus deixaram de circular em Porto Alegre, ganhou força o debate em torno de alternativas para custear o transporte coletivo. A Associação dos Transportes de Passageiros (ATP) relaciona as dificuldades econômicas à falta de recursos em razão da depreciação do valor da passagem. Engenheiro da ATP, Antônio Augusto Lovatto explica que o aumento da tarifa do transporte público de R$ 4,55 para R$ 4,80, sancionado pelo prefeito Sebastião Melo, ficou abaixo da tarifa técnica estipulada em R$ 5,20.
Conforme Lovatto, a prefeitura deve R$ 5,8 milhões referentes à diferença custeada pelas empresas enquanto o reajuste não se definia. “Durante a pandemia sempre recebemos a tarifa técnica. Esse ano, pela primeira vez, houve descolamento da tarifa técnica da do usuário. A prefeitura deve para o sistema de transporte R$ 5,8 milhões, referentes a abril, maio e junho. É uma dívida que a gente espera receber”, observou. “Desde maio não estamos recebendo a diferença de R$ 0,65 (de R$ 4,55 para R$ 5,20), existe um degrau de R$ 0,65 centavos”, completou. A ATP ressalta que fornecedores exigem pagamento à vista.
Sem o ressarcimento desses valores, Lovatto adverte que a situação do transporte coletivo pode se agravar nos próximos dias: “Se não ocorrer aporte da prefeitura, um complemento desses valores, evidente que o sistema vai entrar em colapso, não tenho a menor dúvida. Não precisa entender muito de matemática, não existe dinheiro”, frisa. A ATP destaca que o reajuste foi aprovado pela Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC) e pelo Conselho Municipal de Transporte Urbano (Comtu), mas acabou desconsiderado pelo prefeito.
Setor opera com quase metade da capacidade de antes da pandemia
Por conta dos inúmeros problemas no setor, Lovatto sustenta que as medidas devem ter impacto em curto prazo. A ATP considera que as alternativas apresentadas pela prefeitura, como a diminuição das isenções, redução do número de cobradores, entre outras, são importantes e servem para estruturar o sistema de transporte coletivo. “Mas são medidas que não vão resolver os problemas em curto espaço de tempo. Vão impactar menos na tarifa apenas nos próximos anos”, comentou o engenheiro. Conforme Lovatto, o parcelamento do salário de funcionários e a redução dos horários dos coletivos são reflexos das dificuldades enfrentadas pelo setor. “A redução de horários é um risco calculado, atinge 10% da população ou dos usuários de uma região. Outra alternativa é o que a Carris está fazendo”, compara.
Nesse cenário, Lovatto avalia que a situação da Carris é um caso à parte. “Nos últimos dez anos, foram destinados mais de R$ 400 milhões. A empresa tem custo por quilômetro rodado 23% mais caro que o do sistema privado. Só isso encarece a tarifa em R$ 0,27. Problema da Carris é um problema do governo”, critica. Para o engenheiro, o governo deve apostar na retomada da economia a partir de investimentos no setor: “A retomada da economia passa por um sistema de transporte coletivo, robusto, eficiente e de qualidade”.
Entre os problemas da Carris, Lovatto aponta o envelhecimento da frota e os indicadores “muito abaixo do sistema privado” de performance. “O cumprimento de viagens está muito aquém do sistema privado”, garantiu. “Como pode ter um custo 23% maior?”, questiona. Lovatto lembra que cidades com economias organizadas devem investir em transporte público. “A prefeitura tem que apostar, exigir e garantir que as empresas façam o serviço e recebam por esse serviço da prefeitura”, assinala.
Saiba mais
A data fixada para o reajuste da tarifa era 1º de fevereiro (o último reajuste se deu em março de 2019). Em março, o município e as empresas chegaram a um acordo para os meses de fevereiro, março e abril, prevendo o aporte, pela prefeitura, da diferença do valor da tarifa (R$ 4,55) para o custo da operação. Esse aporte foi parcelado em 7 vezes, ou seja, ainda há parcelas pendentes.
Valores
As concessionárias dizem que a tarifa de R$ 4,80 é insuficiente, por ser inferior aos cálculos que determinaram o valor de R$ 5,20. Vale lembrar que esse cálculo está baseado em índices do final do ano passado e início deste. E, desde então, os principais insumos subiram cerca de 30%, e o diesel, passou de R$ 3,21 para cerca de R$ 4,04.
“Com este cenário, fica difícil garantir a continuidade dos serviços, sem que haja uma solução para a diferença das tarifas e para os meses de maio e junho. As empresas estão há muito tempo trabalhando com déficit e enfrentando problemas com crédito junto a fornecedores, além de estarem em atraso com os tributos federais”, finaliza Lovatto.