Rio Grande do Sul poderia vacinar idades a partir de 18 anos quase um mês antes do prazo previsto

Para vacinar todos os adultos gaúchos até 30 de setembro é preciso aplicar o imunizante em pelo menos 80.708 pessoas diariamente

Foto: Guilherme Almeida/Correio do Povo

A meta do Rio Grande do Sul é começar a vacinar contra a Covid-19 as pessoas com 18 anos de idade até 30 de setembro. Desde o começo da vacinação, em 18 de janeiro, o Estado tem tido uma média de 36.565 doses aplicadas. Mas para atingir esta meta, que requer uma dose em cada um dos 8.958.689 adultos gaúchos, o RS deveria vacinar pelo menos 80.708 pessoas diariamente nos próximos 108 dias que antecedem o prazo dado pelo Governo do Estado, no dia 4 deste mês. Em um primeiro momento, o número impressiona, mas ele é plenamente exequível. No dia 20 de maio, o Estado havia atingido um recorde, aplicando 108.527 doses, superando a marca de um mês antes, quando foram aplicadas outras 107.652 vacinas em um único dia.

O Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems/RS) aponta que os municípios poderiam vacinar, sem muito esforço, pelo menos 150 mil pessoas por dia, o que significa que o Estado está imunizando atualmente apenas com 24,3% de sua capacidade. Hipoteticamente, se o recorde de maio se repetisse diariamente, as pessoas com 18 anos conseguiriam se vacinar já em 1º de setembro, numa redução do prazo em 29 dias. Entretanto, mesmo que não seja mantida esta marca dia após dia, qualquer elevação para o patamar das 100 mil aplicações diárias poderá ser 24 horas a menos na espera pela tão esperada proteção contra a doença.

Para falar da velocidade de aplicação, é importante voltar no tempo. Mais precisamente ao ano de 2010, quando foi realizada a campanha de vacinação que derrotou o vírus Influenza H1N1, que causou a primeira pandemia do século 21. Naquela oportunidade, as vacinas começaram a ser desenvolvidas no segundo semestre de 2009 e o Governo Federal, na época, fechou parcerias com os laboratórios Glaxo Smith Kline (GSK), Novartis e Sanofi Pasteur, este último que transferiu a tecnologia de produção ao Instituto Butantan, que também passou a produzir a vacina.

Ao todo, a União adquiriu 83 milhões de doses da vacina contra o H1N1. Em três meses, conforme documentado pelo Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, 88% das 92 milhões de pessoas da população-alvo da campanha, estavam imunizadas.

Mas 11 anos depois, o enfrentamento à Covid-19 por meio das vacinas ainda patina na comparação com a campanha contra o H1N1. Em 2021, quase seis meses depois do início da vacinação, o Brasil atingiu apenas 50 milhões de pessoas vacinadas com a primeira dose. O número representa cerca de 32% dos 160 milhões de brasileiros vacináveis, conforme previsto no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), do Ministério da Saúde.

Entre os vacinados com a primeira dose, 23,5 milhões já receberam a segunda dose do imunizante, isto é, 14,7% da população vacinável no Brasil. Ao todo, o Brasil tem mais de 74,5 milhões de doses aplicadas.

“Nas últimas semanas, com o aumento de doses que têm chegado no País, tem melhorado bastante. Temos vacinados 800 mil pessoas por dia. O nosso recorde, em 2010, foi de 888 mil pessoas por dia, chegando a ter picos batendo em até 1 milhão/dia”, contabiliza o especialista em logística para a cadeia do frio, Ricardo Canteras, que é diretor da TempLog, empresa paulista especializada no transporte de produtos e insumos da indústria farmacêutica.

Para o executivo, se o País “mantiver esta aplicação de volumes diário e continuar recebendo regularmente os imunizantes”, dá para repetir o feito de 2010. Estrutura para comportar este volume de vacinação, como o armazenamento e distribuição das doses, Canteras confirma que há.

O presidente do Cosems/RS e secretário de Saúde de Canoas, Maicon Lemos vê os picos diários já alcançados pela vacinação contra a Covid-19 no RS como algo bastante razoável. Apesar de não estimar um teto, ele acha plenamente viável uma superação. “Se recebermos doses regularmente, poderemos vacinar mais de 100 mil, até 150 mil por dia”, estima.

Até a última sexta-feira, conforme dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES), somando a primeira e a segunda dose, os 497 municípios aplicaram 5.265.414 das 6.382.211 de doses distribuídas pelo Estado, ou seja, 82% do que foi entregue pela SES. Mesmo nível de maio e acima dos 75% em abril, o que significa que recentemente tem chegado um quantitativo maior de doses e em um tempo menor também. Mas para diminuir ainda mais este intervalo, Lemos diz que é necessário os municípios atuarem com mais frentes.

“Com a chegada de mais vacinas, temos que ampliar os horários de acesso, trabalhando sábados e domingos, para atender a uma demanda que ainda é provisionada. Temos que colocar todas as unidades vacinando, fazer um novo Dia D de vacinação”, sugere. “Condições e estrutura existem. E isso é o que vem deixando o RS na posição que mais vacina”, destaca.

Já a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica, do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), ligado à SES, Tani Ranieri, diz ser complicado apontar um teto para a operação de aplicação das doses da vacina contra a Covid-19. No entanto, ela afirma que o RS pode ultrapassar, sem dificuldades, a aplicação de 100 mil doses diárias.

“Depende de os municípios terem estratégias para fazer a vacinação dentro do menor tempo possível. Mas posso te afirmar que todos os municípios do RS estão engajados e desenvolvendo estratégias de horários estendidos e isso fez com que o RS tivesse uma velocidade maior que a de outros Estados”, defende Tani.

Na comparação com a campanha do H1N1, a chefe da divisão vê a situação como mais complexa. “Um cenário bem diferente em relação à H1N1. Naquela época já tínhamos uma programação pré-definida. As campanhas precisavam ser escalonadas e a gente conhecia o quantitativo e agora, estamos ainda trabalhando num panorama muito incerto”, pontua, ao se referir sobre o fornecimento intermitente das doses contra a Covid-19. “Se Deus ajudar, vamos receber quantitativos maiores do Ministério da Saúde”, conclui.

Porto Alegre poderia aplicar até 40 mil doses por dia

De acordo com os dados da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, o máximo que a Capital conseguiu vacinar em apenas um dia, contabilizando a primeira e a segunda dose, foram 23.360 pessoas. Marca alcançada no dia 23 de abril. Mas segundo a diretora de Atenção Primária da pasta, Caroline Schirmer, é possível vacinar até 40 mil pessoas por dia contra a Covid-19.

Para isso acontecer, seria necessário capilarizar a distribuição das vacinas, que hoje acaba sendo restrita, quase sempre, a três drive-thrus e a pouco mais de 30 unidades de saúde. “A gente sempre fez vacinação nas unidades. E nós gostaríamos de ter a vacina da Covid em todas as unidades de saúde. Mas como as doses são poucas, não adianta a gente dividir entre as 132 unidades de saúde. Hoje teria unidade de saúde com dez doses, dependendo da remessa recebida”, explica Caroline.

Segundo o presidente do Cosems/RS, Maicon Lemos, o que acontece em Porto Alegre, se repete em outras cidades gaúchas. “No universo do RS, o total vacinado num dia é um quantitativo bastante expressivo. Mas em Canoas, por exemplo, eu sei que hoje estamos vacinando 55 anos e sei que em Canoas tem quase 4 mil pessoas desta faixa etária para serem vacinadas. E minha rede de saúde está preparada para atender a esta demanda”, completa.

Outro fator que acaba guiando a atuação dos municípios, segundo a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica, Tani Ranieri, é a destinação do imunizante. “Quando a gente encaminha, a distribuição da vacina é pactuada na Comissão Intergestores Bipartite, o CIB, ordenando se vai ser aplicada como D1 ou D2, segundo informes técnicos do Ministério da Saúde, o que é preconizado pelo PNO”, detalha. “Mas agora toda segunda dose precisa ser reservada e a vacina poderia estar sendo utilizada para D1 de outra pessoa. Entretanto, com o fornecimento irregular, acontece o que aconteceu, que é a falta de vacina”, recorda Tani.

Vacinação não para na primeira dose

A estimativa do Governo do Rio Grande do Sul, é que o esquema vacinal seja completo até dezembro. Isso significa que terminando a aplicação da primeira dose até setembro, nas semanas seguintes, o esforço se volta para a segunda dose daqueles imunizantes que necessitam da aplicação complementar. A exceção fica com aqueles que receberem a vacina da Janssen (Johnson & Johnson), que já estarão imunizados com uma única dose.

“Na H1N1, a vacina era dose única. Agora as pessoas fazem a primeira dose, mas geralmente causa um desconforto entre 24 e 48 horas da aplicação. E isso, às vezes, desestimulam as pessoas a tomar a segunda dose. Mas 90% dos eventos adversos acontecem com a primeira dose. Ela deve fazer a segunda dose para garantir sua imunidade. E a chance dela não ter este evento deve ser maior”, incentiva a chefe da Divisão de Vigilância Epidemiológica, Tani Ranieri.

A SES também precisará avaliar quais são as regiões onde a aplicação da primeira e da segunda dose estão mais atrasadas e direcionar doses e esforços para avançar a imunização de forma mais uniforme dentro do RS. Entretanto, aos municípios, o desafio será buscar os que abandonaram o processo de vacinação. “Precisamos resgatar esta população faltosa à segunda dose. Há esse e tem vários outros fatores que podem tornar esta campanha mais complexa”, avalia.