O incêndio da Boate Kiss, que provocou a morte de 242 pessoas e deixou outras 636 feridas em Santa Maria, na região Central do Rio Grande do Sul, completa cem meses nesta quinta-feira (27). A data é marcada pelo início de uma mobilização, prevista para acontecer até o julgamento dos quatro réus pela tragédia – que, desde 27 de janeiro de 2013, não resultou em nenhuma sanção.
A campanha “100 Meses Sem Justiça” é promovida pela Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), em parceria com o coletivo Kiss: Que Não se Repita. O primeiro ato é um protesto, no qual 242 balões brancos serão soltos em frente ao antigo prédio da boate, que está em vias de ser transformado em um memorial aos jovens que perderam a vida no incêndio.
“É natural que as pessoas que não sentiram a dor dessa tragédia na pele, com o passar do tempo, fiquem anestesiadas. Um dos objetivos da campanha é movimentar essas pessoas, para lembrá-las que o incêndio aconteceu e que as consequências dele ainda não acabaram. Queremos trazer a empatia e a solidariedade para que, unidos, tenhamos mais força para cobrar a Justiça”, afirma o presidente da AVTSM, Flávio da Silva.
A filha de Flávio, Andrielle Righi da Silva, foi uma das vítimas da tragédia. Ele faz parte da associação há oito anos – período em que atua para acelerar, ao máximo, o julgamento do caso. O júri, que chegou a ser marcado para o início do ano passado, acabou suspenso após uma série de recursos e, também, devido à pandemia da Covid-19. Agora, há a expectativa de que aconteça em 1º de dezembro, em Porto Alegre.
“Quando a Justiça acatou o desaforamento dos primeiros três réus (os dois empresários e o vocalista da banda) entramos com um recurso tentando que esse júri fosse remarcado para Santa Maria. No momento em que não conseguimos, pedimos que todos fossem julgados na Capital. Esse réu (Luciano) estava posando, aqui, como o coitadinho da história, em uma tentativa de desqualificar o crime”, critica Flávio.
Próximos passos
A programação da campanha prevê que, nos próximos meses, sejam promovidas transmissões nas redes sociais com mães, pais, sobreviventes da tragédia e especialistas em incêndios como o da Kiss. Também está previsto o lançamento de um documentário sobre a tragédia. Outros atos devem acontecer, nas ruas, em Santa Maria e Porto Alegre. O cronograma completo, entretanto, ainda não foi divulgado.
Relembre o caso
O incêndio da boate Kiss começou por volta das 2h30min do dia 27 de janeiro de 2013, momento em que um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, acendeu um sinalizador de uso externo dentro da casa noturna. O artefato produziu faiscas, que atingiram a espuma que fazia o isolamento acústico do local. A queima do material liberou gases tóxicos como, por exemplo, o cianeto.
Segundo as investigações, foi justamente essa fumaça que matou, por sufocamento, a maior parte das vítimas. A polícia apontou que as saídas de emergência da Kiss não seguiam os parâmetros adequados; o extintores estavam vencidos, e não havia um número suficiente deles. Parte das vítimas foi impedida por seguranças de sair da boate, por ordem de um dos proprietários.
O inquérito culminou no indiciamento dos empresários Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, além do músico Marcelo de Jesus dos Santos, da banda Gurizada Fandangueira, e do produtor do grupo, Luciano Bonilha Leão. Todos respondem pelo crime de homicídio simples, consumado 242 vezes, e por 636 tentativas de homicídio – conforme o número de mortos e feridos na tragédia, respectivamente.
Ao longo do ano passado, Elissandro, Mauro e Marcelo conseguiram que o júri popular, marcado para Santa Maria, fosse transferido para Porto Alegre. Os réus alegaram a possibilidade de falta de isonomia, em razão do envolvimento da comunidade local com a tragédia. Em seguida, o Ministério Público solicitou que Luciano Bonilha Leão também obtivesse o desaforamento. O pedido foi aceito, e todos serão julgados na Capital.