Prévia do novo modelo de combate ao Covid-19 no RS é recebida com críticas e desconfiança

Expectativa é que novas diretrizes entrem em vigor a partir do dia 10 de maio

Foto: Palácio Piratini / Divulgação

O governador Eduardo Leite (PSDB) apresentou, em reunião virtual na noite de terça-feira, a prefeitos e deputados, uma prévia do novo modelo de Distanciamento Controlado do RS, que pode entrar em vigor no dia 10, substituindo o atual. Um dia após o encontro, críticas e desconfianças marcaram o posicionamento de prefeitos e entidades sobre a proposta do Executivo estadual.

Em um documento distribuído na reunião de terça, o Palácio Piratini coloca como premissa fortalecer o diálogo com os municípios e sugere a substituição do sistema de bandeiras de acompanhamento semanal por um painel de indicadores da Covid-19 com acompanhamento diário, sem a pré-fixação de indicadores. A partir disso, o estado define restrições mínimas obrigatórias e de um protocolo padrão, este último que pode ser adotado na integralidade pelas regiões ou ajustado em cada uma. Os municípios poderão adotar protocolos por atividades mais flexíveis do que o protocolo padrão do estado ou terem até regras mais rígidas. Mesmo assim, a proposta não convenceu de início, recebendo críticas nesta quarta-feira, tanto de políticos quanto de especialistas.

O novo modelo vai manter as divisões das 21 regiões Covid, nas sete macrorregiões, além do estado como um todo. A ideia é que os municípios que flexibilizarem as atividades mais do que o protocolo padrão do governo estadual respeitem as restrições mínimas obrigatórias, tenham adesão de dois terços das prefeituras da região Covid e apresentem um plano de fiscalização. Já o fluxo de alertas vai funcionar a partir da análise permanente de dados pelo grupo de trabalho de Saúde do Comitê de Dados, que deve avisar o Gabinete de Crise sobre índices alarmantes da pandemia.

O Gabinete de Crise pode decidir por emitir o alerta ou não para a região. Quando emitido o alerta, a área alertada deve publicar resposta técnica sobre as ações a serem adotadas para reforçar o combate à pandemia, em prazo ainda a ser acordado. O Gabinete de Crise ainda pode decidir sobre a necessidade ou não de adoção de outras ações na região além das apresentadas na resposta técnica, como adoção de protocolos mais rígidos e intensificação da fiscalização.

Melo fala em pouca autonomia
Um dos maiores críticos ao modelo atualmente vigente, o prefeito de Porto Alegre e presidente da Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal), Sebastião Melo se mostrou cético. “Se o decreto for que nem a carta de intenções, eu quero ser o primeiro a assinar. Mas minha desconfiança, é que o decreto não será como a carta de intenções”, considera. Para Melo, os municípios ainda terão pouca autonomia. “No fundo, no que eu percebo, numa leitura preliminar, é que ele está transformando o sistema de bandeiras em protocolos mínimos. Ele vai elevar a régua dos protocolos mínimos. Eu transfiro para os municípios, mas quem manda sou eu (o estado). Então, eu penso que se for isso, estamos trocando apenas o nome”, critica Melo.

Apesar de tranquila, reunião se mostrou muito pouco efetiva, segundo o presidente da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Maneco Hassen. “A apresentação do governador é completamente genérica. Mesmo quando questionado, o governador não detalhou. O que nos passa a impressão de que ele vai transferir a responsabilidade integral aos municípios, vai abrir a mão de liderar o processo e apenas fazer os alertas a partir dos indicadores de ocupação de leitos e contaminação. E os municípios, a partir do trabalho regional, são quem vão liderar”, avalia.

Questionado sobre o novo método, Leite reiterou que o estado vai ter reduzidas as funções de controle da pandemia. “Nos propomos a ser aquele que coordena, acompanha os indicadores, emite os alertas para cada uma das regiões e estabelece protocolos mínimos, que vão desde o uso da máscara em alguns espaços a outras medidas que são importantes”, garante.

Algo que Melo não observou, mas ele espera ver nesta nova versão do modelo, é a diferenciação por regiões. “Porto Alegre tem uma secretaria de Saúde equipada, com técnicos de vigilância, etc. Não pode ser comparado a Garruchos ou a municípios de 3 mil habitantes, por exemplo. A vida urbana tem características muito diferentes. Os municípios que têm condições de fazer protocolos, estão liberados para isso e se houver algum excesso, o estado monitora mediante esses excessos que os municípios praticarem”, sugere.

Conforme o governador, o estado só pretende intervir nas decisões dos municípios em situações extremas. “Vamos ficar acompanhando e, de acordo com isso, emitimos os alertas e a região deve responder que providências estão sendo tomadas. Se elas forem consideradas suficientes pelo Gabinete de Crise, ok, segue. Se não forem, vamos partir para uma reunião com a região para uma intermediação. Em último caso, faremos uma intervenção”, detalhou Leite.

Indicadores em xeque
O professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e médico infectologista no Hospital Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Alexandre Zavascki, aponta, desde as primeiras semanas do modelo atual, que ele não reflete bem o momento de fazer a reabertura e chega atrasado a alguma restrição maior quando o número de casos começa a aumentar. “Indicadores de ocupação hospitalar, que são os que predominam no modelo atual, são indicadores tardios, que impossibilitam capacidade de agir precocemente, evitando o aumento de hospitalizações e o de número de mortes”, adverte.

Segundo o médico, além de não dar ênfase a esses parâmetros, é necessário que os dados no novo modelo sejam interpretados de forma mais completa. “Não se deve repetir o formulismo criado no modelo atual. É preciso ter uma capacidade interpretativa qualitativa e quantitativa dos indicadores, no conjunto. Não delegar a interpretação das medidas ao resultado de uma fórmula matemática com pontos de corte arbitrários, como se for 2 é uma coisa e 2,01 é outra. Não tem cabimento. Isso tem que ser feito a partir da análise dos indicadores”, recomenda Zavascki.

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) manifesta preocupação com a construção do novo modelo estratégico. Em nota assinada pelo médico Carlos Isaia Filho, presidente do Cremers, “as mudanças devem ser feitas de forma colaborativa, com a participação dos gestores estadual e municipais e demais órgãos sanitários, e buscando o consenso e as melhores condições de saúde para a população, devido à incerteza do comportamento da pandemia nos próximos meses”.

No mesmo sentido, o presidente da Famurs entende que em vez da mera transferência de responsabilidades, o governo deve melhorar a participação das prefeituras na construção do novo modelo, evitando decisões verticais. “Nós solicitamos a oportunidade de construir juntos, mas isso foi se tornando mais evidente nas últimas semanas, quando o governador passou a adotar decisões que ninguém entendeu. Sem conversar com ninguém. Quem está na ponta fiscalizando são os municípios”, defende Hassen.

O Palácio Piratini ainda pretende fazer mais encontros no restante desta semana com os prefeitos e parlamentares para fechar um acordo sobre o novo modelo.

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