Mandetta: Bolsonaro tinha assessoria paralela para tratar assuntos relacionados à Covid-19

Ex-ministro também citou tentativa do governo de mudar bula da cloroquina para citá-la como tratamento da doença

Foto: Jefferson Rudy / Agência Senado

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, afirmou, nesta terça-feira, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado Federal, que o presidente Jair Bolsonaro tinha uma assessoria paralela para tratar de assuntos relacionados à pandemia da Covid-19. De acordo com Mandetta, demitido em abril de 2020 por se contrapor a Bolsonaro na forma de lidar com a pandemia, o presidente passou a se encontrar com pessoas que não eram parte do governo. Entre elas, médicos que faziam recomendações sobre a doença. “Eu imagino que fora do Ministério da Saúde ele (Bolsonaro) conseguiu alguns aconselhamentos que os pautavam na pandemia”, disse.

No depoimento, Mandetta contou que muitas vezes Bolsonaro chegou a concordar com as recomendações da Pasta, mas “dois a três dias depois, agia de forma diferente, como se não tivesse entendido o que eu falava”. De acordo com o ex-ministro, Bolsonaro deve ter tido outra fonte ou algum consultor que deu a ele recomendações que não tinham a ver com o que sugeria o ministério ou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Mandetta reclamou ter feito reuniões com Bolsonaro nas quais um dos filho, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), fazia anotações. Citou também a tentativa do governo de mudar a bula da cloroquina para citá-la como tratamento da Covid-19. Ainda segundo Mandetta, a presidência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se negou a fazer a alteração.

Mandetta denunciou que, por trás de médicos que defendem tratamentos com remédios sem eficácia, há grande interesse comercial. “Enquanto eu estive no Ministério da Saúde eu fiquei em cima do que é científico, rezando para que alguma coisa funcionasse. Rezei até para a cloroquina funcionar”, relatou.

Ele afirmou ainda que chegou a ficar constrangido com algumas situações e declarações feitas por Jair Bolsonaro, como a defesa da cloroquina para doentes de Covid-19. “Nós seguíamos o que tínhamos de discutir, mas havia pelo lado do presidente uma outra visão, um outro caminho. Ele tinha suas próprias ideias. Não sei se vinham através de outros assessores. Era muito constrangedor ter que ficar explicando porque o ministério estava indo para um caminho e ele indo para o outro”, lamentou o ex-ministro.

O médico declarou que não havia como defender a cloroquina sem a certeza dos benefícios e dos riscos que ela oferecia e garantiu que jamais, enquanto esteve à frente do Ministério, sugeriu o uso do medicamento. “É falso que se não fizer bem, mal não faz”, explicou, em referência a uma citação que o presidente tinha o costume de repetir.

Ao falar sobre as medidas do governo para reduzir a transmissão da Covid no país, Mandetta afirmou que sempre foram implementadas com atraso, sobretudo determinações de quarentena e lockdown. “Em relação a lockdown, o Brasil não fez nenhum lockdown. O Brasil implementou medidas depois do leite derramado, depois que a gente disse ‘Vai entrar em colapso o sistema de saúde’. Então fecha. ‘Vai acabar o remédio.’ Então fecha”, declarou o ex-ministro. “A gente foi sempre um passo atrás desse vírus.”