A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou, nesta quarta-feira, a flexibilização de uma das principais exigências que comprometia o pedido de uso emergencial de novas vacinas contra a Covid-19 no país: a realização de testes clínicos de fase 3 no Brasil.
Até então, apenas Oxford/AstraZeneca e CoronaVac conseguiram essa modalidade de liberação por terem estudos conduzidos no país. Pfizer/BioNTech e Janssen (Johnson & Johnson) também podem receber o aval, mas não entraram com o pedido até hoje.
A atualização das diretrizes da Anvisa abre caminho para vários fabricantes de vacinas pedirem a autorização. Mas a possível beneficiada neste primeiro momento deve ser a vacina russa Sputnik V.
A farmacêutica União Química, que detém os direitos comerciais do produto no Brasil. Diferente do registro sanitário, que pode levar mais de dois meses para ter uma conclusão, a autorização temporária de uso emergencial é avaliada pelos técnicos da agência em até dez dias, desde que não haja pendências nos estudos sobre a dose. No entanto, sem testes realizados no Brasil, o órgão regulador estendeu esse período para 30 dias.
O gerente-geral de Medicamentos e Produtos Biológicos da Anvisa, Gustavo Mendes, explicou que laboratórios vão ter de cumprir determinados requisitos se as fabricantes não tiverem pesquisas em andamento no Brasil. Vai ser preciso que acompanhem os participantes para avaliação de eficácia e segurança por pelo menos um ano; garantam acesso aos dados gerados, em totalidade; e demonstrem que estudos pré-clínicos e clínicos foram conduzidos conforme as diretrizes aceitas nacional e internacionalmente.
Além disso, os fabricantes devem se comprometer a concluir o desenvolvimento da vacina em todos os aspectos, apresentar e discutir os resultados com a Anvisa e solicitar o registro sanitário.
Sputnik V no Brasil
Segundo a União Química, há uma reserva para o Brasil de 10 milhões de doses da Sputnik V — suficientes para aplicação em 5 milhões de pessoas — que dependem apenas a autorização da Anvisa.
Como a vacina não atendia os critérios estabelecidos pela agência, um pedido de uso emergencial chegou a ser rejeitado em meados de fevereiro.
A mudança de posição ocorre um dia após a revista científica The Lancet publicar conclusões preliminares da fase 3 de estudos clínicos da Sputnik V, realizados na Rússia, comprovando eficácia de 91,6%.
Os autores do artigo, que são cientistas independentes, dizem que, embora a Sputnik V tenha sido alvo de críticas por ter sido registrada antes mesmo do início da fase 3, ela se mostrou uma vacina segura e eficaz para o enfrentamento da pandemia.
A diretora Meiruze Freitas, no entanto, ressaltou que a publicação em revista científica não é critério para aprovação de uma vacina pela Anvisa.
“As publicações em revistas científicas são de extrema importância (…) Mas um produto para ser disponibilizado, em especial a nossa população, não precisa apenas ter um resultado positivo em uma revista científica. Independente de um estudo estar publicado ou não, nós vamos avaliar”, disse.
Vacina
Feita a partir de uma tecnologia nova, que utiliza adenovírus (vírus causadores de resfriado comum), a vacina leva o nome do primeiro satélite soviético, enviado ao espaço em 1957 — o “V” é de vacina.
Após 21 dias, ocorre a segunda vacinação, com outro tipo de adenovírus, mas o mesmo material genético do SARS-CoV-2. Então, segundo os dados russos, ocorre uma imunidade ainda mais forte e duradoura.
A Sputnik V se tornou o carro-chefe da propaganda externa do governo da Rússia. Desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisa de Epidemiologia e Microbiologia Gamaleya, ligado ao governo, e financiada pelo Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), o fundo soberano do país, ela é apresentada como “a primeira vacina de Covid-19 registrada”.
No fim do ano passado, a Argentina aprovou o uso emergencial da vacina russa, dando início à campanha de imunização em 29 de dezembro.