Ninguém diz não para a patroa….

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

A mulher do Arnóbio, patrão da fazenda era conhecida por ser uma mamangava. Tão brava, que a beleza da prenda se escondia debaixo das botinas. Arre mulherzinha incomodativa !(segundo “contação” do L.A.Fisher)
Era um pacote completo: bonita, brava e teimosa. Dessas que os peões preferiam que fossem menos bonita e mais amável. Dessas que as outras mulheres chamavam de bruaca. Marcolina era mãe de duas “mandinhas” medonhas como ela, Joaquininha e Bernadete. O estancieiro se via estreito na lida com o mulherio e é personagem secundário neste causo.
Marcolina costumava mandar no marido, que mandava nos capatazes da fazenda. Logo, ela mandava no marido, nos capatazes e nas criadas, e ninguém a desobedecia. Ninguém nunca tinha sofrido castigo, que não tinha mais escravidão, porém o pior castigo era ver a cara da desabotinada quando não se fazia a sua vontade. Dizem que virava bicho. Parece que foi uma praga que uma moçoila rogou quando Marcolina roubou o namorado dela. Agora, cada vez que ficava brava, a fuça dela parecia virar pelo avesso de tão feia. O último vivente que se arriscou a contrariá-la nunca mais tocou no assunto. Passou noite em claro, e as noites que dormiu teve pesadelos.
A égua preferida de Marcolina morrera de velha, e ela ficou muito tempo sem sair para cavalgar até as estâncias vizinhas, sem falar com as poucas amigas, que talvez o fossem mais por respeito do que por vontade.
Um dia cansada de ficar em casa, ordenou aos criados -: -“ Me preparem “qualquera” outro cavalo que eu quero montar.” Todos estavam na lida e só restou um alazão quase selvagem, de difícil lida. Um empregado explicou a situação, consciente de que não adiantava tentar demover Marcolina da idéia. “ Não estou dizendo que não deva montar no alazão, mas só avisando que ele é bravo. Por favor, não se irrite depois”. Já foi se defendendo. A rabiosa que não era cheia de não-me-toques( exceto, como já falamos, quando iam contra sua vontade), decidiu ir mesmo assim. A pé, seguiram Joaquininha e Bernadete, mais uma criada pra cuidar das gurias.
Antes da partida, mais um aviso. “ Dona Marcolina, não vá por esses lados. Há duas vacas que recém deram cria e estão tinhosas. As vacas quando têm bezerros podem atacar qualquer estranho que se aproxime. Não vá se arriscar, a não ser que queira, que ache melhor, a senhora decide….”, disse-lhe o empregado. Marcolina nem perdeu tempo se enfezando, apenas ignorou o alerta, Ninguém a impedia de nada.
O trajeto ia tranqüilo, nomás. A fazenda ficou “lejos”, só se via a ponta do telhado do galpão. Quando chegaram em um campo aberto, se toparam com as ditas cujas vacas. E quando os bichos perceberam que seu território estava sendo invadido, bufaram e mugiram como primeiro alerta.
-“Mas é bem capaz que eu vou me afastar e tocou em frente.” As vacas conforme tinha sido avisado, correram mugindo para perto da mulher, sacudindo a cabeça, querendo empurrar o cavalo selvagem da patroa. As crianças se assustaram. Marcolina ficou tão ofendida que se esmerou na careta. Joaquininha e Bernadete ficaram com mais medo da mãe do que das vacas. Foi aquele escarcéu e “griterio” na coxilha. Mãe, filha, empregada, vacas, todas gritando.
Quem disse que ninguém contrariava a patroa é porque não conheceu as vacas do Arnóbio – que, dizem também, se trancaram por gosto e nunca mais deram leite.