Bailes de campanha

"Este jornal vai ser feito para toda a massa, não para determinados indivíduos de uma facção". Foto: Arquivo CP

Antigamente os bailes de campanha eram um acontecimento muito especial. Segundo o Edson Moreira em seu livro “Causos Missioneiro”,ocorriam poucos durante o ano e constituíam-se em instrumento de diversão e socialização, sem a banalização dos tempos atuais em que se dança a semana inteira. Lá nas Missões eram normalmente seis bailes divulgados “bocalmente”, como dizia o Vidico, sendo que os promotores iam à cavalo de casa em casa, convidando formalmente os moradores da região para o invulgar evento.
Os fandangos tinham uma organização criteriosa e com muita antecedência. Diversos casórios tiveram seu futuro graças aos bailes, quando as moças e rapazes se conheciam, dançavam “de par”e acabavam unindo tradicionais famílias missioneiras.
Ocorria um tipo de baile familiar que primava pelo seu caráter pitoresco e realizava-se em toda a querência: os “bailes-surpresa”. Parentes do surpreendido, que haviam migrado para outros localidades, se comunicavam por correspondência e combinavam o evento. Para evitar contratempos, o homenageado era avisado uma semana antes da surpresa. Ele reunia a família e dava a notícia:
-Vocês podem começar a fazer doce que sábado ” bamo tê solpresa”!
No entanto, bailes profissionais mesmo eram nos salões. Bons gaiteiros animavam os fandangos.

Muitas histórias desafiaram o tempo e perduraram na memória popular para serem hoje contadas.
O seu Juvêncio Brandão era um personagem muito importante para o salão do Aquino. Era ele o responsável pelo transporte de nove moças, entre filhas e sobrinha, para os surungos e as levava de carreta ! Nove prendas significava mais da metade dos pares femininos, daí a importância do seu Juvêncio para o evento. Ocorria. no entanto, que o sono do Juvêncio era um entrave para a festa. Quando o relógio marcava meia-noite, a exemplo do conto feérico da Borralheira, quando o baile estava no seu auge, ele cangava os bois na carreta, reunia seu plantel de moças e “se tapava de quero-quero”- para desespero da rapaziada.
Aquilo incomodava os moços festeiros, principalmente um grupo de onze jovens que se revezavam em busca dos encantos das meninas.
Aquela debandada das pombinhas, bem na hora em que o baile estava ficando bom, quando alguns já estavam “dançando de par”, prenunciando namoros?! Era preciso tomar uma atitude, engendrar um plano para evitar o indesejado êxodo. E assim o fizeram.
No baile seguinte, quase à noitinha, chegou o seu Juvêncio com a sua preciosa carga na velha carreta. Ali pelas dez da noite, enquanto os outros dançavam, dois dos inseparáveis amigos saíram do salão, foram até à carreta, retiraram a cavia de uma das rodas e a esconderam num capão perto dali. Dissimulados, voltaram ao baile com a certeza de que iriam dançar a noite toda.
Lá por volta da meia-noite, o velho Juvêncio, louco de sono, foi juntar os bois para atrelá-los à carreta. Logo notou que faltava uma roda e se pôs a procurá-la nas imediações. Não a encontrando, retornou ao salão e ficou num canto, quieto, já que o bom cabrito não berra.
Foi um baita fandango, a moçada dançou até quase amanhecer, Juvêncio dormiu escorado na parede e o mais faceiro com a festa era o Novegildo, o ecônomo, que encheu a guaiaca com a venda de bebidas.
Como o resultado da malandragem da turma dos onze, os bailes seguintes foram de tirar o chapéu, eis que o Juvêncio Brandão parece que passou a gostar das festas, pois ficava com seu plantel de moças até a madrugada, para gáudio da rapaziada.