TCU, Congresso e mercado veem drible a teto e “pedalada” em Renda Cidadã

Mercado avalia que proposta apenas adia dívidas e não indica algum corte para garantir verba para auxílio social

Foto: Carolina Antunes / PR

A proposta do governo de financiar o novo programa social, chamado Renda Cidadã, com recursos hoje carimbados para o pagamento de precatórios (valores devidos após sentença definitiva na Justiça) e do Fundeb está sendo vista como uma “pedalada fiscal”, publicou o jornal O Estado de S.Paulo.

Para especialistas de mercado, parlamentares e ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), a estratégia encontrada pelo governo apenas adia dívidas já consideradas líquidas e certas e ainda dribla o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação. O anúncio, feito após reunião do presidente Jair Bolsonaro, ministros e lideranças no Palácio da Alvorada, acentuou a desconfiança do mercado financeiro sobre o compromisso do governo com o controle das contas públicas, fazendo o dólar disparar e o mercado de ações fechar em queda, nessa segunda-feira.

A divulgação da proposta, que não trouxe nenhum corte efetivo de outras despesas no Orçamento, azedou o humor dos investidores. A moeda americana fechou a segunda-feira com alta de 1,44%, a R$ 5,63) e a Bolsa despencou (queda de 2,41%). O Banco Central precisou queimar reservas para tentar conter o avanço da moeda dos EUA. A turbulência vem num momento em que a dívida do País se aproxima a 100% do PIB e precisa ser refinanciada em um prazo cada vez mais curto.

Relator do Pacto Federativo e do Orçamento de 2021, o senador Marcio Bittar (MDB-AC) disse que a intenção é garantir pelo menos R$ 30 bilhões adicionais para o novo programa, além dos R$ 35 bilhões já garantidos para o Bolsa Família. Hoje, o valor médio do benefício do Bolsa Família é em torno de R$ 193. Auxiliares do presidente Jair Bolsonaro disseram que a ideia é que o Renda Cidadã tenha um benefício médio 50% superior ao do que é pago no programa criado na gestão petista (algo em torno de R$ 290).

Ex-secretário do Tesouro Nacional, Carlos Kawall, diretor do Asa Investments, avaliou que o adiamento dos precatórios é uma “pedalada fiscal”, uma vez que a dívida não paga continua existindo. “Tem gente dizendo que é pedalada (o adiamento de pagamento dos precatórios). É pedalada. Mas é pior do que isso, é calote. Se há dinheiro, mas não pago a dívida na data combinada para abrir mais espaço para gastar, lá na frente, pode fazer isso de novo e não pagar nunca”, disse.

Truque

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, disse que usar dinheiro reservado para o pagamento de precatórios “parece truque para esconder fuga do teto de gastos” ao reduzir a despesa primária de “forma artificial” porque a dívida não desaparece, apenas é rolada para o ano seguinte. “Em vez do teto estimular economia, estimulou a criatividade”, criticou no Twitter.

Segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o governo pode “poupar” R$ 38,65 bilhões dos R$ 55 bilhões previstos originalmente para 2021 com a nova fórmula de pagamento dos precatórios, destinando 2% da receita corrente líquida a esse fim. Esse valor pode ser direcionado ao novo programa social. Mas o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, alerta que a medida apenas “empurra com a barriga” o valor que o governo federal deve aos credores, que vão desde beneficiários da Previdência Social até empresas credoras da União. “Precatório é despesa obrigatória, fruto de decisão judicial. Fixar limites para o seu pagamento significa escolher pagar a alguns dos credores da União”, explica Salto.

A proposta de limitar o pagamento de precatórios a 2% da receita corrente líquida já foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que analisou regime especial aprovado pelo Congresso para Estados e municípios saldarem suas dívidas com os credores. A análise da Corte é que a medida fere cláusulas pétreas da Constituição como a de garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.

Ainda conforme o Estadão, com a recepção negativa dos investidores, durante a tarde, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), se reuniu virtualmente com dezenas de economistas das principais empresas de investimentos e bancos, entre eles Itaú, XP Investimentos, Garde Investimentos, mas não os convenceu. O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), defendeu a medida e afirmou que é “equivocado dizer que é pedalada”.