No primeiro semestre de 2020, 89 pessoas transgênero foram assassinadas no Brasil, quantidade que supera em 39% a registrada no mesmo período de 2019, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Para a entidade, o número escancara como a omissão de autoridades governamentais vem contribuindo para essas pessoas estejam no centro de um contexto amplo de vulnerabilidade, que passou agora a incluir os efeitos da pandemia de Covid-19.
“Os dados não refletem exatamente a realidade da violência transfóbica em nosso país, uma vez que nossa metodologia de trabalho possui limitações de capturar apenas aquilo que de alguma maneira se torna visível. É provável que os números reais sejam bem superiores. Mesmo com essas limitações, os dados já demonstram que o Brasil vem passando por um processo de recrudescimento em relação à forma com que trata travestis, mulheres transexuais, homens trans, pessoas transmasculines e demais pessoas trans. O que reforça a importância do nosso trabalho de monitoramento, incidência política e denúncias a órgãos internacionais”, escreve a Antra.
A associação lembra, ainda, que na tentativa de suprir uma lacuna deixada pelo Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em junho de 2019, tratar os casos de transfobia com base na Lei nº 7.716/1989, na qual são tipificados os crimes de preconceito contra raça e cor.
Em nota, ao comentar os homicídios, a Antra antecipou respostas obtidas em entrevistas feitas para o projeto TransAção, de apoio a travestis e mulheres trans do Rio de Janeiro, a fim de elucidar como a suscetibilidade desse grupo populacional ocorre. A maioria (87,3%) das pessoas entrevistadas apontou como uma das principais necessidades a conquista de um emprego capaz de garantir o próprio sustento.
Além disso, 58,6% declararam pertencer ao grupo de risco de Covid-19 e 94,8% que sofreram algum tipo de violência motivada por discriminação devido à identidade de gênero.
Ainda segundo a entidade, estima-se que cerca de 60% da população trans não conseguiu ter acesso ao auxílio emergencial concedido pelo governo federal ou benefício semelhante. Desenha-se, portanto, uma situação preocupante, tendo em vista que 29,3% das participantes do TransAção afirmaram sobreviver com uma renda média de até R$ 200; 39,7% com uma de valor entre R$ 200 e R$ 500; 27,6% com até um salário mínimo (R$ 1.045) e 3,4% com renda entre R$ 1.045 e R$ 3.135.
Nenhum dos entrevistados declarou receber acima de três salários mínimos, o que revela que, mesmo quando existe fonte de recursos, a quantia é, majoritariamente, baixa.
No comunicado, a Antra também salienta que não há, até o momento, levantamentos abrangentes sobre as dificuldades enfrentadas pela comunidade LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais e outros) durante a crise sanitária, produzidos por iniciativa das diferentes esferas de governo.
Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a população LGBTI+ é uma das parcelas populacionais mais expostas à pandemia, motivo pelo qual, defende, se deve reivindicar aos governos políticas específicas de proteção social.