Uso de etanol para limpeza doméstica pode explicar alta de preço em Porto Alegre

Produto não é indicado para esse fim e, inclusive, oferece perigo

Foto: Ricardo Giusti/CP

No momento em que o país adota medidas preventivas para conter o avanço do novo coronavírus, o aumento de preço do etanol em postos de combustíveis de Porto Alegre, sem justificativa prévia, chamou atenção dos consumidores. Em estabelecimentos da zona Sul e da zona Norte, o litro do combustível já varia entre R$ 4,39 e R$ 4,49 – acima da gasolina comum, que em alguns locais custa R$ 4,19. De acordo com o Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do Rio Grande do Sul (Sulpetro), a elevação do preço do álcool na bomba pode ter uma explicação inusitada: em função da falta de álcool em gel em farmácias e supermercados, uma parte da população passou a comprar etanol para fazer a limpeza da casa.

Presidente do Sulpetro, João Carlos Dal’Aqua conta que presenciou a cena de um homem pedindo uma bombona de 5 litros ao frentista. Ele também revela haver relatos de clientes adquirindo etanol para fazer higiene de casa. Dal’Aqua reforça, no entanto, que o Sulpetro desaconselha o uso do combustível para fins de higiene.

“Claro que é perigoso, a função do álcool é abastecer veículos. É desaconselhável (comprar etanol para limpeza), mas não posso proibir se alguém insistir nisso”, frisa.

Sem poder de fiscalização de preços junto aos postos, o Sulpetro reforça que isso é atribuição do poder público. “Não monitoramos preço, nem podemos fazer isso, pela legislação. O Sulpetro não se envolve em preços. É uma situação muito atípica, com os postos sofrendo quedas monumentais de venda, como todo mercado”, observa.

De acordo com Dal’Aqua, com o movimento na cidade bem abaixo do normal, a queda nas vendas, nos últimos dias, chegou a 60%, em média. “De repente, para cobrir custos, podem ter elevado os preços”, considera.

Apesar de ressaltar que a venda de etanol é insignificante no Rio Grande do Sul’, o dirigente admite que muitos proprietários, com os produtos parados nos tanques, se veem obrigados a manter os negócios com o ‘mínimo necessário, sem aumentar custos’.

Risco de lesões

Médico infectologista e presidente da Comissão de Ética e Conduta do Grupo Hospitalar Conceição (GHC), André Luiz Machado explica que o uso de etanol para higiene pode provocar lesões de pele, uma vez que o produto é ‘extremamente abrasivo’ e concentrado. “É perigoso e uma irresponsabilidade um posto vender etanol com esse objetivo. É um produto altamente inflamável, agressivo, que causa irritação na pele”, critica.

Machado frisa que não há nenhuma indicação para uso do produto para fins de higienização e observa que o ideal é a aplicação do álcool 70%. “Consegue desnaturar a membrana, a camada proteica do vírus, e inativá-lo. Não precisa ser acima disso, porque começa a ocorrer agressão na mucosa e ressecamento da pele”, justifica. Na falta de álcool em gel, o especialista recomenda higiene normal, com água e sabão. E reforça que o uso de etanol nas mãos, por exemplo, pode provocar fissuras na pele dos dedos, inclusive impedindo a pessoa de fazer higienização. “Porque ela vai sentir dor”, completa.

Marcelo Arbo, professor de Toxicologia da Ufrgs e do Programa de Pós-Graduação (PPG) de Ciências Farmacêuticas, também critica o uso de etanol na limpeza da casa e reforça que a concentração do produto não desinfeta ou mata vírus ou bactéria. Além disso, adverte que outras substâncias podem vir misturadas ao etanol. “Depende do que tiver no álcool do posto de gasolina. Pode ter solventes, que podem ocasionar queimaduras e provocar ressecamentos. Isso deixa a pele machucada, aberta, e propícia a qualquer tipo de infecção ou bactéria”, alerta. Segundo Arbo, para limpar casas ou superfícies é indicado uso de água sanitária. “É até mais barato”, finaliza.

Fiscalização

Diretor-executivo do Procon-RS, Luis Felipe Martini garante que a fiscalização da venda de álcool como produto de limpeza não é função do Procon-RS, embora o caso envolva relação de consumo. De acordo com ele, o órgão pode investigar o aumento injustificado do preço do etanol, mas também não recebeu denúncias nesse sentido.