Na mensagem presidencial que Jair Bolsonaro envia, nesta quarta-feira, ao Congresso Nacional com o pedido de reconhecimento do estado de calamidade pública no Brasil, o presidente justifica a medida com as projeções de queda do PIB mundial em 2020 em até dois pontos percentuais em função da pandemia de coronavírus.
A queda do PIB mundial é associada à desaceleração da China, que de acordo com o texto, concentra “quase um quinto do PIB mundial”. Em trecho da mensagem, obtida com exclusividade pelo R7 Planalto, ele fala que a pandemia é um “evento sem precedentes”.
“Neste sentido, é inegável que no Brasil as medidas para enfrentamento dos efeitos da enfermidade gerarão um natural aumento de dispêndios públicos, outrora não previsíveis na realidade nacional. Tanto isso é verdade que para fins de início do combate ao COVID-19 já houve a abertura de crédito extraordinário na Lei Orçamentária Anual no importe de mais de R$ 5 bilhões, conforme medida provisória 924 de 3 de março de 2020, longe de garantir contudo, que tal medida orçamentária é a única suficiente para dar cobertura às consequências decorrentes desse evento sem precedentes”.
O pedido de reconhecimento do estado de calamidade pública, que vai ser enviado ao Congresso por meio de mensagem presidencial, permite que o governo descumpra a meta de resultado primário para o ano.
O instrumento autoriza que o governo gaste com mais liberdade sem ter que dar explicações pelo descumprimento da meta, que pelo tamanho da crise do coronavírus é praticamente certo. O governo, no entanto, não alterou o teto de gastos, que continua mantido.
Entenda
O decreto depende de votações na Câmara e no Senado, o que pode ocorrer a partir de hoje. Se aprovada conforme o pedido do governo, a medida fica em vigor até 31 de dezembro de 2020. Os deputados federais votarão primeiro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse mais cedo ser possível pautar ainda nesta tarde.
A partir do pedido de Bolsonaro, vai ser elaborado um projeto de decreto legislativo, que depende da aprovação da maioria dos parlamentares presentes, em cada Casa. A votação pode ser feita diretamente no plenário e de maneira simbólica, sem necessidade de contar os votos, desde que estejam presente 257 deputados na Câmara.
No Senado, o quórum mínimo é de 41 parlamentares. Se houver alterações pelos senadores, os deputados deverão votar de novo. A proposta não depende de sanção presidencial e é transformada em decreto legislativo, com força de lei, depois da aprovação.
De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, a votação do Senado deve ficar para a próxima semana. As sessões foram canceladas diante da ausência de senadores em Brasília. Aqueles com mais de 65 anos, ou seja, 26 dos 81 titulares da Casa, foram dispensados pelo risco de contágio da doença. O projeto, porém, pode ser votado remotamente. As sessões virtuais, autorizadas pela Mesa Diretora, só entrarão em funcionamento na semana que vem.
Leia a íntegra da mensagem, já publicada no Diário Oficial da União:
DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO
DESPACHO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
MENSAGEM Nº 93
Senhores Membros do Congresso Nacional,
Em atenção ao disposto no art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, denominada de Lei de Responsabilidade Fiscal, solicito a Vossas Excelências o reconhecimento de estado de calamidade pública com efeitos até de 31 de dezembro de 2020, em decorrência da pandemia da COVID-19 declarada pela Organização Mundial da Saúde, com as consequentes dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Com efeito, vivemos sob a égide de pandemia internacional ocasionada pela infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19), com impactos que transcendem a saúde pública e afetam a economia como um todo e poderão, de acordo com algumas estimativas, levar a uma queda de até dois por cento no Produto Interno Bruto – PIB mundial em 2020.
O choque adverso inicial nas perspectivas de crescimento do mundo esteve associado à desaceleração da China, que foi profundamente agravada pelo início da epidemia. Por concentrar quase um quinto do PIB mundial e ser destino de parcela substancial das exportações de vários países, aquele país vinha sendo o principal motor da economia mundial nos últimos anos, de modo que a súbita redução em sua taxa de crescimento por si só já implicaria efeitos adversos para os demais países.
Em um segundo momento, contudo, a rápida disseminação do vírus em outros países, notadamente na Europa, levou a uma deterioração ainda mais forte no cenário econômico internacional. De fato, as medidas necessárias para proteger a população do vírus que desaceleram a taxa de contaminação e evitam o colapso do sistema de saúde, implicam inevitavelmente forte desaceleração também das atividades econômicas. Essas medidas envolvem, por exemplo, reduzir interações sociais, manter trabalhadores em casa e fechar temporariamente estabelecimentos comerciais e industriais. Se, por um lado, são medidas necessárias para proteger a saúde e a vida das pessoas, por outro lado, as mesmas medidas devem causar grandes perdas de receita e renda para empresas e trabalhadores.
O desafio para as autoridades governamentais em todo o mundo, além das evidentes questões de saúde pública, reside em ajudar empresas e pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis à desaceleração do crescimento econômico, a atravessar este momento inicial, garantindo que estejam prontas para a retomada quando o problema sanitário tiver sido superado. Nesse sentido, a maioria dos países vêm anunciando pacotes robustos de estímulo fiscal e monetário, bem como diversas medidas de reforço à rede de proteção social, com vistas a atenuar as várias dimensões da crise que se desenha no curtíssimo prazo. Apesar da incerteza em relação à magnitude dos estímulos requeridos, bem como dos instrumentos de política mais adequados neste momento, a avaliação de grande parte dos analistas é que as medidas anunciadas têm apontado, em geral, na direção correta. Não há, porém, como evitar o choque recessivo no curto prazo, que deve afetar a maioria dos países do mundo, inclusive o Brasil. Espera-se, porém, que essas medidas sejam capazes de suavizar os efeitos sobre a saúde da população e pelo menos atenuar a perda de produto, renda e emprego no curto prazo e facilitar o processo de retomada.
Neste sentido, é inegável que no Brasil as medidas para enfrentamento dos efeitos da enfermidade gerarão um natural aumento de dispêndios públicos, outrora não previsíveis na realidade nacional. Tanto isso é verdade que, apenas para fins de início do combate doCOVID-19, já houve a abertura de crédito extraordinário na Lei Orçamentária Anual no importe de mais de R$ 5 bilhões, conforme Medida Provisória nº 924, de 13 de março de 2020, longe de se garantir, contudo, que tal medida orçamentária é a única suficiente para dar cobertura às consequências decorrentes deste evento sem precedentes.
Extrai-se, portanto, que a emergência do surto doCOVID-19como calamidade pública gerará efeitos na economia nacional, com arrefecimento da trajetória de recuperação econômica que vinha se construindo e consequente diminuição significativa da arrecadação do Governo federal. Vale ressaltar que, neste momento, o Brasil está entrando na crise e ainda que ela já esteja presente em outros países a incerteza envolvida no seu dimensionamento, em nível global e nacional, inviabiliza o estabelecimento de parâmetros seguros, sobre os quais os referenciais de resultado fiscal poderiam ser adotados.
Neste quadro, o cumprimento do resultado fiscal previsto no art. 2º da Lei nº 13.898, de 2019, ou até mesmo o estabelecimento de um referencial alternativo, seria temerário ou manifestamente proibitivo para a execução adequada dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, com riscos de paralisação da máquina pública, num momento em que mais se pode precisar dela.
Em outras palavras, em um cenário de tamanha incerteza, mas com inequívoca tendência de decréscimo e receitas e elevação de despesas da União, o engendramento dos mecanismos de contingenciamento exigidos bimestralmente pelo art. 9º da Lei de Responsabilidade Fiscal poderia inviabilizar, entre outras políticas públicas essenciais ao deslinde do Estado, o próprio combate à enfermidade geradora da calamidade pública em questão.
Por isso, em atenção ao permissivo contido no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, é importante que se utilize, excepcionalmente, da medida lá prevista, no sentido de que, reconhecida a calamidade pública pelo Congresso Nacional e enquanto esta perdurar, a União seja dispensada do atingimento dos resultados fiscais e da limitação de empenho prevista no art. 9º da referida Lei Complementar.
Por todo exposto, o reconhecimento, pelo Congresso Nacional, da ocorrência de calamidade pública com efeitos até 31 de dezembro de 2020, em função da pandemia do novo coronavírus, viabilizará o funcionamento do Estado, com os fins de atenuar os efeitos negativos para a saúde e para a economia brasileiras.
Brasília, 18 de março de 2020.