Pediatra fala em desgaste de “relação médico-paciente” ao negar atendimento de criança

“O mundo veio abaixo”, disse em entrevista à Rádio Guaíba, concedida na manhã desta segunda-feira

Pediatra concedeu entrevista à Rádio Guaíba nesta segunda-feira. Foto: Guilherme Almeida/CP

A pediatra Maria Dolores Bressan concedeu sua primeira entrevista pública, na manhã desta segunda-feira, ao programa Bom Dia da Rádio Guaíba, após decisão judicial em segunda instância favorável no caso em que ela recusou manter como paciente de seu consultório o filho de um casal de militantes políticos, a ex-secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Ariane Leitão, e seu marido.

O episódio aconteceu em 2016. No final de 2019, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou que o ato da pediatra estava amparado pelo Código de Ética Médica que estabelece a renúncia de atendimento ao paciente a partir de critério subjetivo do profissional. No processo, os pais da criança alegaram abandono de atendimento por divergências políticas ideológicas.

“Entraram na Justiça depois que eu mandei uma mensagem via WhatsApp dizendo que eu queria declinar o atendimento por vários motivos”, explicou, lembrando que o argumento dos pais no processo é de que houve “uma recusa” de atendimento. Segundo a pediatra, o Código de Ética Médica prevê que o atendimento seja declinado mediante comunicação prévia quando não se trata de uma emergência ou urgência. “Houve uma reverberação do fato na mídia e nas redes sociais”, acrescentou. “Quase destruíram a minha vida. O mundo veio abaixo”, desabafou. “Tivemos que deixar os telefones do consultório fora do gancho por um tempo, pois recebemos até ameaça de morte”, lamentou.

Conforme Maria Dolores Bressan, “a relação médico-paciente ficou desgastada durante todo o período em que acompanhei a criança…foi quase um ano”. Para a pediatra, o problema é quando uma das partes “não se sente mais à vontade”. A médica observou ainda que os pais não seguiam o tratamento prescrito por ela. “Nas consultas eventualmente vinha à tona esse fator político”, disse.

“Precisava estar isenta emocionalmente para acompanhar aquela criança que precisava ter a saúde física e mental preservada”, disse. “O que aconteceu foi uma insatisfação e senti que precisava deixar essa criança para outro médico. Ela deveria ficar então sob outros cuidados. Agi dentro da lei”, resumiu. “Eu declinei do atendimento porque não tinha mais condições de uma relação que deve ser de confiança. Houve uma incompatibilidade”, enfatizou.

Ela contou que respondeu sindicância no Instituto de Previdência do Estado (pois atendia a criança através do convênio) e também no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e no Conselho Federal de Medicina, sendo absolvida. No entanto, o processo movido pelos pais terá prosseguimento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Dois representantes de entidade de classe também estiveram no programa. O presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade, explicou que “a conduta da pediatra não teve falha do ponto de vista ético”. Ele esclareceu que em toda a consulta eletiva, com hora marcada e que não tem urgência ou emergência, o médico “pode abrir mão de seu paciente quando aquela relação está deturpada, se tem conflito…”.

Já o diretor do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), Guilherme Peterson, avaliou que a renúncia ao atendimento da família foi correta. “A pediatra se preocupou em fazer o encaminhamento da criança para outro profissional”, assinalou. “Houve um grande desentendimento com ânimos acirrados no país naquela época”, salientou. “Acho que a relação médico-paciente é uma parceria e deve ser pautada pelo respeito que é fundamental”, considerou.

Contraponto

A ex-secretária estadual de Políticas para as Mulheres, Ariane Leitão, disse estar surpresa com as alegações da médica. E destaca que ela não conta a verdade ao omitir que também perdeu ação na Justiça. “Vi uma matéria dizendo que ela ganhou, mas não diz que ela também perdeu. Ela ingressou pedindo danos morais, mas também perdeu tanto na primeira instância, quanto na segunda instância”, ressalta. “Essa pediatra alegou que as filhas dela foram prejudicadas, mas quem catalisou essas agressões foi ela mesma”, lamenta.

A defesa já recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Nunca discutimos que ela pudesse declinar ao atendimento, conforme ressalta o Código de Ética Médica. Porém, ela não fez isso: ela optou por enviar mensagem discriminatória e agressiva em relação à opção política dos pais. Já os juízes, por sua vez, não leram o processo. Convictos de que é direito do médico renunciar atendimento, eles sequer analisaram o processo e isso é inaceitável; com essa decisão eles permitem que se ofenda as pessoas por credo, raça ou opção política”, diz o advogado Jair Poletto.

O Conselho Médico do Rio Grande do Sul (Cremers) arquivou a sindicância contra a pediatra em 2016. “Não houve um julgamento, um acompanhamento do processo, um investigação, absolutamente nada. É muito difícil denunciar desmandos de médicos no Brasil. Ela não provou absolutamente nada”, finaliza Ariane.