A mineradora Samarco quer encerrar no dia 15 de dezembro o cadastramento dos atingidos pela lama que vazou após rompimento da barragem ocorrido em Mariana (MG).
O pedido foi apresentado à Justiça Federal, que deu prazo até 6 de dezembro para que os demais envolvidos no assunto se manifestem, entre eles a União, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo, o MPF (Ministério Público Federal) e os dois MPs (Ministérios Públicos estaduais), bem como a DPU (Defensoria Pública da União) e de ambos os estados.
Uma audiência para discutir a questão já está agendada para 11 de dezembro.
A tragédia completou quatro anos na semana passada. Para gerir todo o processo de reparação dos danos, um acordo firmado com o poder público pela Samarco e por suas controladoras Vale e BHP Billiton levou à criação da Fundação Renova.
Entre as tarefas assumidas pela entidade, está o cadastramento das vítimas – famílias dos 19 mortos, desabrigados, pescadores, agricultores, moradores que ficaram sem água, entre outros – em quase todas as cidades da bacia do Rio Doce.
A única exceção é o município de Mariana, onde os atingidos obtiveram na Justiça estadual o direito de realizarem o próprio cadastro, sob a coordenação da Cáritas, entidade que eles escolheram para assessorá-los.
Conforme consta em despacho assinado pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior, a Samarco argumentou ser “expressivo e crescente o número de solicitações de cadastro com base em alegações que configuram fraude”.
Para a mineradora, tal situação “revela que o longo lapso temporal em que o programa de cadastro vem se mantendo integralmente ativo já permitiu a manifestação daqueles que efetivamente demandavam uma resposta por parte da Fundação Renova no que se refere às indenizações”.
Procurada, a Samarco informou que cerca de 170 mil pessoas solicitaram cadastramento nos últimos quatro anos.
“O encerramento do cadastro para recebimento de novas solicitações de indenização está em discussão na Justiça. Trata-se de medida necessária para que a avaliação dos dados possa ser concluída e o pagamento das indenizações para os impactados possa ser finalizado com celeridade, por meio da Fundação Renova”, disse em nota a mineradora.
Críticas ao processo de cadastramento, no entanto, aparecem em um relatório divulgado na semana passada pela Ramboll, uma das consultorias contratadas através de um acordo firmado em janeiro de 2017 entre o MPF e as mineradoras para que fossem realizadas perícias no andamento das ações de reparação.
O documento registra que “1.654 pessoas foram prévia e incorretamente consideradas inelegíveis pela Fundação Renova, sem terem o direito ao cadastro”.
Para a Ramboll, a Fundação Renova usa critérios de elegibilidade próprios, que dificulta ou inviabiliza muitas pessoas a se autorreconhecerem como atingidas e que não foram validados ainda pelo Comitê Interferativo, estrutura composta por órgãos ambientais da União e dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e cuja função é fiscalizar e estabelecer diretrizes para as ações de reparação.
A consultoria, de outo lado, elogia a metodologia criada pela Cáritas na cidade de Mariana que seria mais participativa e focada na autodeclaração das perdas e danos dos atingidos.
O relatório registra ainda que o cadastramento realizado pela Fundação Renova não reconhece que a população atingida tinha diversas atividades e que a falta de transparência gera insegurança e circulação de boatos nas comunidades.
A incompreensão, por exemplo, sobre a diferença entre dano material e dano moral, criaria dificuldades para que algumas pessoas se percebessem como vítimas.
Conforme mostrou reportagens da Agência Brasil na última semana, as queixas daqueles que se consideram atingidos, mas não foram reconhecidos envolvem desde agricultores e pescadores até comerciantes e donos de pousadas que alegam ter tido perda de renda após a tragédia.
Indenização
Ser incluído no cadastro é pré-requisito para obter indenização pelos danos suportados.
Mesmo assim, nem sempre as negociações serão céleres. Segundo dados da Fundação Renova, até agosto deste ano, R$ 813 milhões teriam sido pagos em indenizações.
No entanto, casos em que os valores oferecidos desagradaram o atingido têm se convertido em um impasse que terá de ser resolvido pela Justiça, caso não se chegue a um consenso.
Para negociarem com a Fundação Renova, as vítimas têm direito ao suporte de uma assessoria técnica.
A exemplo de Mariana, onde a Cáritas foi selecionada, o restante da bacia do Rio Doce foi dividido em 20 regiões e, em cada uma delas, os atingidos puderam escolher uma entidade específica.
Embora não participem do cadastramento como em Mariana, essas entidades contam com profissionais para oferecer apoio em áreas variadas como Direito, Sociologia, Arquitetura, Engenharia, etc.
A Fundação Renova não participa da seleção, mas é responsável por custear as contratações. No entanto, há várias regiões onde as assessorias ainda não estão atuando.
O MPF avalia que o total de atingidos só poderá ser conhecido a partir do trabalho dessas assessorias, considerado fundamental para mapear quem ainda não foi reconhecido, o que deverá impactar no aumento do número de cadastrados.
Procurada pela Agência Brasil, a Fundação Renova não informou quantas contratações estão pendentes e nem a razão pela qual elas ainda não foram efetivadas.
Em nota, a entidade se limitou registrar que a homologação das assessorias escolhidas ocorreu em audiência no dia 19 de setembro de 2019.
Na ocasião, a Justiça Federal deu aval para as atividades das entidades escolhidas pelos atingidos em cada região, entre elas a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social, o Centro Tecnológico Tamanduá e a Associação de Desenvolvimento Agrícola Interestadual, além da Cáritas que, assim como já ocorre em Mariana, também prestará assessoria em outros municípios da bacia do Rio Doce.