Câmara prorroga por mais dez dias sindicância que apura concessão de licenças-saúde a assessores de Carús

Emedebista renunciou ao cargo de vereador

Carús renunciou alegando ter "vergonha na cara". Foto: Alina Souza/CP

A Câmara Municipal prorrogou, nesta quinta-feira, por mais dez dias, os trabalhos da sindicância que investiga a conduta de cargos em comissão (CCs) que atuaram no gabinete do vereador André Carús (MDB). O Diário Oficial de Porto Alegre vai publicar, amanhã, o aval para que a apuração continue. Ontem, Carús renunciou ao mandato de vereador.

Preso em 1º de outubro, pela suspeita de obrigar assessores a contraírem empréstimos para saldar dívidas pessoais, Carús conseguiu liberdade dez dias depois. Ao deixar a vida pública, ele reafirmou ser inocente e justificou ter renunciado por ter “vergonha na cara”.

A sindicância busca averiguar se os CCs que atuaram com o parlamentar obtiveram licença-saúde a fim de ampliar a margem para aquisição de empréstimos junto à financeira que também é investigada no esquema. Nos primeiros dez dias, vários documentos foram coletados, incluindo cópias de contracheques obtidas junto ao departamento pessoal do Legislativo para confrontar com os descontos emitidos em folha.

A sindicância deve, agora, ser concluída até 8 de novembro. A investigação é conduzida por um dos procuradores da Câmara. Ao todo, serão apuradas as condutas de até 12 CCs, que passaram pelo gabinete de Carús. As licenças-saúde eram emitidas após exame médico, realizado no Posto do IAPI. A unidade é responsável por realizar as perícias de todos servidores da Prefeitura, sejam do quadro ou não. A conduta médica também pode entrar no radar da sindicância. A meta é esclarecer se houve favorecimento ou não para a autorização das licenças. Ao término da sindicância, o relatório final é encaminhado às autoridades competentes, como Polícia Civil e Ministério Público.

Veja a carta de renúncia apresentada ontem pelo ex-vereador:

Porto Alegre, 23 de outubro de 2019.

CARTA DE RENÚNCIA

Senhora Presidente,

Ao cumprimentá-la, dirijo-me à Vossa Excelência, após profunda reflexão política e pessoal para expor o que segue. Uma denúncia inconsistente, falsa, caluniosa levada às autoridades por pessoa com quem tive sério desentendimento, infelizmente, serviu de base
para o deferimento das medidas extremamente drásticas de busca e apreensão e de prisão contra um vereador eleito da Cidade de Porto Alegre. Com a vedação da condução coercitiva, por ausência de lei que a autorize, conforme julgamento proferido pelo Ministro Gilmar Mendes do STF, restou às autoridades o deferimento da prisão temporária, violenta,
inconstitucional, incabível, odiosa. Fui preso sem ter sido chamado a esclarecer o que fora lançado contra mim de forma unilateral. Sempre atendi aos chamados da Polícia Civil para esclarecer qualquer ponto. Atenderia imediatamente o chamado do Sr. Delegado de Polícia, caso ele tivesse a grandeza de assim agir. Bastaria um telefonema e eu teria comparecido ao DEIC mil vezes, se necessário fosse. Não havia necessidade da violência, do
sensacionalismo, da vaidade, da comunicação à imprensa, da exploração midiática do caso. Uma pessoa comparece à Delegacia de Polícia e conta uma história. Vai a um órgão de imprensa e repete essa história. No Brasil de hoje, infelizmente, isso basta para que um homem inocente seja preso. No País democrático de hoje, uma boa história vale mais do que a reputação de uma vida. A democracia corre sério risco, especialmente quando as instituições abrem mão da defesa das garantidas as pessoas. Ser preso: só em último
caso. Primeiro convocar para depor, depois ouvir a versão do investigado, depois apurar a veracidade da denúncia e da defesa. Nunca prender antes e apurar depois. Um país democrático, com uma Constituição garantidora de direitos, não pode se dar ao luxo de esquecer o massacre promovido pela Ditadura de 1964. Prender e matar sem processo, sem estado, sem ordem jurídica, sem direitos humanos. O Brasil de hoje, da Constituição de 1988, da democracia restaurada, deve muito a homens do velho MDB, tais como Theotônio Vilella, Ulisses Guimarães, Miguel Arraes, Pedro Simon e meu pai Eroni Carús, dentre tantos outros. Se hoje temos liberdade de expressão, devemos render homenagens aos bravos que lutaram para que voltássemos a ter a democracia covardemente atacada pela força repugnante dos covardes militares golpistas de 1964. Covardes. Mil vezes covardes. A minha prisão, violenta e absurda, por ser absolutamente desnecessária, estabelece um prejulgamento inaceitável quanto a fatos que sequer foram devidamente apurados. Sem necessidade, fui preso. Sem processo, já fui julgado. Sem defesa, tenho contra mim a pecha de criminoso e de corrupto. Quem me acompanha sabe que sempre procurei exercer o mandato de vereador, alicerçado pelos princípios da ética, transparência e atendimento ao interesse público. Não apenas na presente legislatura, desde o dia 1º de janeiro de 2017, mas também na condição de suplente em que assumi o mandato
entre 2009-2013 e 2013-2017. As conquistas obtidas em favor de uma cidade melhor para as pessoas são evidentes a partir do exercício de meu mandato parlamentar. Em dois anos e oito meses, economizamos R$ 385 mil reais, 78% da verba de gabinete disponível, que retornaram aos cofres públicos. Aprovamos diversas leis importantes, com impacto direto no cotidiano da população, entre as quais faço referência à instituição do Programa Municipal do Primeiro Emprego (Lei Complementar nº 820/2017); transparência na destinação dos recursos oriundos das multas de trânsito aplicadas pela EPTC (Lei nº
12.482/2018); disciplina dos elementos do mobiliário urbano em Porto Alegre (Lei nº 12.518/2019); definição do território da Zona de Inovação Sustentável de Porto Alegre (Lei nº 12.381/18); transparência na divulgação dos serviços e profissionais na rede básica municipal de saúde (Lei nº 12.477/2018) e a criação do Plano Municipal de Educação Ambiental (Lei nº 12.561/2019). Outros projetos e iniciativas relevantes permanecem em tramitação, como por exemplo, a instituição de benefício fiscal, a partir do IPTU, para
incentivar a implantação de sistemas de captação e aproveitamento da energia solar (PLC nº 22/18); a proibição de utilização e fornecimento de copos plásticos descartáveis no comércio em geral (PL nº 013/2019) e a proibição de cobrança no valor de estacionamento, por determinado período, pelos hospitais, clínicas e congêneres que atendam pelo SUS (PL nº 045/2019). Em trinta e dois meses de mandato, aprovamos 42 (quarenta e duas) propostas legislativas, percorremos 47.531 quilômetros e promovemos 2.576 ações do projeto “Mandato na Rua”, visitando e ouvindo os cidadãos dos diferentes bairros e comunidades da Capital. Tudo isso, mesmo economizando de forma expressiva os recursos da verba de gabinete. Protocolamos 1.241 pedidos de providência à Prefeitura Municipal, sendo que deste total, 981 foram solucionados ou tiveram algum retorno de parte dos órgãos responsáveis. Portanto, não nos limitamos a trabalhar no interior da estrutura física da Câmara Municipal. Fomos às ruas, ouvimos as pessoas, encaminhamos suas demandas e buscamos sempre fazer o melhor. A isso, agradeço minha equipe de assessores incansáveis nessa tarefa, Destaco ainda a importância do trabalho que desenvolvemos na presidência da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (COSMAM), em 2017 e 2019, bem como nas Frentes Parlamentares em Defesa do Meio Passe Estudantil no Transporte Coletivo de Porto Alegre e pelo Fortalecimento da Guarda Municipal. Esse trabalho deveria ter sido respeitado. Repito: bastava um telefonema para que eu fosse dar depoimento perante a Autoridade Policial. Não havia necessidade de prisão, busca e apreensão ou qualquer medida violenta. Executadas essas odiosas medidas, entretanto, solicitei formalmente licença por tempo indeterminado do mandato de Vereador com o objetivo de colaborar diretamente com a investigação dos fatos a mim atribuídos. Pelo Digno Juízo da 5ª Vara Criminal, de outra parte, foi determinado meu afastamento cautelar do exercício do mandato. Nunca pratiquei qualquer conduta que possa ser qualificada como extorsão, concussão ou associação criminosa. Nunca pratiquei a barbárie de exigir recursos de servidores nomeados em meu gabinete ou indicados politicamente para outras funções públicas. Nunca me locupletei ou obtive vantagens indevidas por conta de entidade citada nas denúncias que foram feitas. Apenas defendi o direito de servidores públicos municipais acessarem serviços e benefícios, assim como as entidades e associações poderem ofertar os mesmos, sem práticas abusivas ou em desrespeito às normas do sistema financeiro.
Isso tudo será provado no curso da investigação e de eventual ação penal, caso ajuizada.
Mas eu devo confessar que errei. Errei ao me deixar seduzir por agiotas e suas promessas de facilidades. Errei ao ter medo de denunciar essas pessoas às autoridades, quando
começaram as ameaças. Errei quando aceitei dinheiro de amigos, porque nunca tive apenas assessores. Eles foram muito mais do que isso. Os vereadores sabem do que falo: temos verdadeiros irmãos de luta e de caminhada em nossos gabinetes. E eu errei ao envolver essas pessoas no meu superendividamento. Por medo e por vergonha, envolvi pessoas inocentes, que vivem honestamente dos seus salários e do seu trabalho, numa
situação extremamente constrangedora e difícil. Peço desculpas a cada um deles e a todos. Sem exceção. Não extorqui ninguém, mas errei ao tentar sair de uma situação extremamente difícil provocada por pessoas que fazem da prática da intimidação, da ameaça, do constrangimento, uma forma, aí sim, de extorsão de juros abusivos, de empobrecimento de gente simples, sem forças para reagir. Tenho certeza de que muitas pessoas do povo sabem o que passei nas mãos desses agiotas, que atuam na borda, na margem, na escuridão e, impunes, provocam a ruína de pessoas fragilizadas pelas dívidas e pela falta de recursos. Por ter errado com aqueles que me ajudaram tanto, decidi deixar a vida pública. Meus pais me ensinaram a ter vergonha na cara. Nesse caso, não tenho vergonha do que me acusam, porque vou provar que é mentira. Tenho vergonha, isso sim, de ter envolvido pessoas inocentes no meu dilema pessoal, no meu endividamento.
Renuncio ao meu mandato e vou me dedicar, com exclusividade, à demonstração da minha inocência frente às acusações e abusos sofridos, com apoio profissional do amigo de longa data, parceiro de tantas caminhadas, o Advogado Criminalista Dr. Jader Marques e seu escritório. Faremos com que a verdade e a justiça prevaleçam. Tudo será esclarecido.
Com o gosto amargo da injustiça na boca, retomo com gana, com garra, com uma especial vibração, o sonho do exercício da advocacia, deixado em segundo plano pela entrega à causa pública. Deixo o legado de todo o trabalho desempenhado com extrema seriedade para o deleite dos que me apoiaram e para o arrependimento dos meus acusadores.
As ilações caluniosas e mentirosas serão todas desfeitas. Vou, a partir de hoje, prestar contas à Justiça, à minha família, aos amigos solidários, verdadeiros e me justificar aos 6.882 eleitores que me conduziram ao Poder Legislativo nas eleições municipais de 2016, provando a verdade dos fatos levantados contra minha pessoa. Para concluir, numa homenagem ao meu pai Eroni Carús, quero lembrar Ulysses Guimarães, em seu discurso sobre a recém-promulgada Carta Política de 1988: “Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca”. Com Ulysses, contra toda a tirania, afirmo que: “Traidor da Constituição é traidor da pátria. (…) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na
América Latina.” Diante do exposto, nos termos dos artigos 224, inciso I, do Regimento
Interno da Câmara Municipal e 69 da Lei Orgânica Municipal, encaminho minha RENÚNCIA ao mandato de vereador de Porto Alegre pelo MDB, em caráter irrevogável. Como cidadão comum, agarrado à Constituição Federal do meu País, vou provar a minha inocência.
Cordiais Saudações,
ANDRÉ CARÚS