“Não virou assunto porque Lula era o queridinho da mídia”. Esse é o entendimento do embaixador do Brasil na França, Luís Fernando Serra, sobre as queimadas na Amazônia não terem recebido atenção internacional durante o período de governos anteriores, liderados pelo PT. “Você pode ir à Nasa e ao INPE, onde você quiser, as queimadas foram as piores em 2005, e houve queimadas maiores que a de 2019 em 2004 e 2003. A imprensa se calou por que ele era o ‘queridinho’ da mídia”, disparou durante entrevista, na manhã desta quarta-feira, ao programa Direto ao Ponto, da Rádio Guaíba.
Serra parece não estar enamorado dos jornais: “quando eu digo isso aqui na França, sobretudo aos jornalistas de esquerda, eles mudam de assunto porque sabem que eu estou falando a verdade, cientificamente comprovada”, afirmou o embaixador. “O jornalista, seu colega, me cortou, não querem ouvir, mas foi exatamente isso que aconteceu: foi muito pior mas ninguém escreveu nada, porque isso estragaria a imagem de líder messiânico que Lula da Silva tinha”, acusou.
O embaixador também disparou contra a imprensa francesa em atuação no Brasil. “Aqui, por exemplo, temos dois grandes jornais com correspondentes no Brasil (Le Monde e Le Figaro). Um de centro-direita e um de esquerda, e só escrevem contra o Bolsonaro. Eles só ouvem a esquerda festiva, que fica nos bares do Leblon, eles são incapazes de consultar outras fontes, como por exemplo os investidores franceses no Brasil”, alegou. Eu vou para a televisão (na França) para explicar, e é quase que um esquadrão de fuzilamento que eu tenho em frente. Se eles pudessem, me fuzilavam”, ironizou.
A relação Brasil-França, contudo, segue conturbada para além dos meios de comunicação. Sobre a polêmica envolvendo um comentário em postagem na internet sobre a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o embaixador alegou que Bolsonaro foi chamado de “mentiroso” na França e que “obviamente não gostou”. Disse ainda e que o presidente brasileiro pedia para que o autor da postagem “parasse de zombar”. Na ocasião, Bolsonaro comentou “não humilha, cara, kkkkkkk” em uma foto na qual as primeiras-damas eram comparadas, sugerindo que a aparência física da esposa do presidente brasileiro possa causar “inveja” ao líder francês.
Questionado se não é mais eficaz manter uma postura diplomática, em vez de combativa, Serra disse que os investidores franceses no Brasil estão “muito satisfeitos” com a política econômica implementada pelo ministro Paulo Guedes. “Se a casa for arrumada depois das reformas, o Brasil vai decolar e os investimentos franceses vão aumentar”, concluiu.
Sobre o acordo União Europeia-Mercosul, na berlinda desde que a França afirmou que não vai rubricar o documento enquanto a questão da Amazônia não for resolvida, Serra disse acreditar que o presidente francês Emmanuel Macron vai ceder à pressão dos demais países do bloco europeu. “Sem esse acordo, todo mundo perde. Nós perdemos e os europeus perdem também. Eles sentem que a França precisa parar de dizer que não vai assinar e de impor sanções”, raciocinou.
Serra pondera, contudo, que há uma campanha de boicote a produtos brasileiros, e que isso é “evidentemente ruim” para o comércio bilateral. “Não sei se a população vai acompanhar esse boicote, não sei até onde essa campanha vai, mas se houver adesão grande nossas negociações serão afetadas”, lamentou.
Ainda sobre o acordo UE-Mercosul, o embaixador ressalta que Macron enfrenta oposição de dois lados dentro da França, de ruralistas à direita e de ambientalistas à esquerda. O segundo grupo critica a forma como a produção é executada no Brasil; já o primeiro teme a concorrência do agronegócio brasileiro em solo francês.
Serra também lamentou a ausência de montantes muito mais expressivos, prometidos em outros acordos, para a questão da preservação ambiental no Brasil: “há muito mais verba retida nos diversos mecanismos da ONU do que esses US$ 20 milhões. Os países signatários que se comprometeram a doar não estão cumprindo. Nós nos comprometemos a não desmatar, e eles se comprometeram a nos dar fundos”, ponderou.
O diplomata também comentou a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, nos Estados Unidos, que classificou como “uma ótima escolha do presidente”. Conforme o embaixador, que acumula 47 anos e meio de carreira diplomática, o filho do presidente “é uma pessoa que reúne todos os requisitos constitucionais” para o cargo e que “tem todas as credencias e fará um trabalho que surpreenderá muitos céticos por aí” no comando da representação brasileira na Capital norte-americana.
“Eu acho que o Brasil continua cercado de grandes amigos”, finalizou. Por fim, o embaixador disse ter total respaldo do presidente Bolsonaro e que o chanceler Ernesto Araújo, a quem chamou de “meu chefe”, lhe transmitiu os parabéns do chefe da nação pelo trabalho que exerce na França.
Dados do Inpe
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde o começo do século, o pior resultado para queimadas se registrou em 2004, quando 275.645 focos de incêndio foram contabilizados na Amazônia Legal. Os anos ainda citados por Serra, 2003 e 2005, tiveram respectivamente 222.270 e 263.994 focos de incêndio, também entre os piores resultados do século junto com 2007 (263.395 focos) e 2010 (215.775 focos). Até agora, 2019 registra 59.413 incidências de fogo na Amazônia.
O pior resultado por mês desde 2000 foi apontado em setembro de 2007 (101.817 focos) e o melhor foi em janeiro de 2000, com apenas 133 ocorrências.
Quem é o embaixador?
Luís Fernando Serra foi embaixador do Brasil na Coreia do Sul, de 2016 até meados de 2018. Durante o governo de transição, Serra chegou a ser cotado para chefiar o Itamaraty. Anteriormente, foi embaixador do Brasil em Cingapura (2011-2016) e em Gana (2006-2011). Já passou por 11 embaixadas em 4 continentes.