Cotado para PGR, Aras quer “padrão Lava Jato” para Estados e municípios e defende rever delações

Subprocurador-geral defendeu ainda que sucessor de Raquel Dodge cumpra as leis e a Constituição, sem precisar ser "nem algoz, nem santo"

Aras diz que atitudes de Janot são
Aras diz que atitudes de Janot são "inaceitáveis". Foto: Divulgação/MPF

Cotado como um dos favoritos para assumir a Procuradoria-Geral da República em setembro, no lugar de Raquel Dodge, o subprocurador-geral Augusto Aras pretende, caso seja escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro, aplicar o padrão Lava Jato em todo o Ministério Público, estendendo para Estados e municípios o modelo de combate à corrupção.

Aras, no entanto, admite que é preciso rever o uso das delações premiadas, que, segundo ele, se mostraram pouco efetivas e, para isso, sugere a criação de um “manual de boas práticas”, tanto para as delações quanto para as forças-tarefas do MP Federal.

Correndo por fora, já que não disputou a eleição da lista tríplice, Aras entende que o MP, por ser contramajoritário, não deve promover eleições para não correr os riscos da “politicagem”, como “o clientelismo, fisiologismo, toma lá, dá cá e eventualmente até a corrupção”. Aras defende ainda que o procurador-geral da República precisa estritamente cumprir as leis e a Constituição, não precisando ser “nem algoz, nem santo”.

O subprocurador-geral recebeu a reportagem da Record TV e do R7 Planalto em casa, em Brasília, e concedeu a entrevista abaixo.

O senhor tem figurado como nome importante para assumir a PGR, já existe um convite por parte do presidente Bolsonaro?

O presidente não fez convite oficial algum. Sequer informalmente me sugeriu algo. O presidente é um homem cauteloso, é um homem responsável, é um homem que tem buscado conhecer, assim eu penso, todos os candidatos. E foi assim que eu conversei com o presidente em quatro oportunidades. Permeado por conversas coloquiais, o presidente foi me perguntando como eu via o Ministério Público, quais eram as soluções que eu poderia aventar para os problemas do Ministério Público e, devo dizer, que foi muito gratificante falar dessa instituição à qual me dedico. Eu já poderia me aposentar, mas estou pronto para cumprir mais essa missão para com o País.

O presidente e os filhos têm sinalizado que o Bolsonaro busca alguém mais alinhado ao governo dele, com posições mais conservadoras, da família. De que forma o senhor acha que há esse alinhamento das suas posições com as dele?

Eu não diria que deva haver alinhamento entre carreiras de Estado e carreiras de governo. A carreira do Ministério Público é uma carreira de Estado. Ela tem um farol, ela tem um guia que é a Constituição do País. E depois a legislação ordinária, infraconstitucional. Evidentemente, que o presidente, o senhor segundo a Constituição para indicar o membro do MPF que entenda ser capaz de bem representar o Estado brasileiro, ele sabe que ele não pode errar na escolha. Uma vez investido no cargo, o procurador tem garantias constitucionais e não pode simplesmente ser destituído, pela vontade ou arbitrariedade do presidente. Então é natural que o presidente queira saber quem são os candidatos e ele tem recebido os candidatos.

É natural que o presidente queira saber como pensa, qual a visão de mundo desse candidato acerca da instituição que quer chefiar e acerca da própria vida brasileira, da sociedade brasileira e uma visão de mundo. Já que o Direito toca nos direitos e garantias essenciais que integram a própria integridade humana. A carreira jurídica precisa ser o instrumento de pacificação social e desenvolvimento econômico e isso se faz como instrumento da política, economia, cultura e de outras dimensões da política nacional.

Seu nome é respeitado dentro do MP, não só como subprocurador-geral, mas como professor e jurista. Mas há críticas por não ter participado da eleição da ANPR, que faz a lista tríplice. O senhor não é favorável à eleição da lista tríplice? Como vê as críticas de não fazer parte da lista tríplice?

Inicialmente registro que instituições que não se submetem à votação popular, que não têm membros eleitos pelo povo, como o Ministério Público, em particular, se regem pelo princípio contramajoritário. Ou seja: não se submetem ao clamor público, ao clamor popular, mas têm o dever de agir, devidamente fundamentados na Constituição Federal e nas leis do País. Dessa forma, uma instituição contramajoritária não tem os instrumentos, os mecanismos de freios, de contrapesos que existem para o Legislativo e para o Executivo: periodicamente a renovação dos quadros, periodicamente uma mudança, às vezes para melhor, às vezes nem tanto, mas promove sempre a oxigenação.

Os cargos das instituições contramajoritárias são vitalícios e os sistemas de freio e contrapeso, de fiscalização e controle recíprocos, para falarmos numa linguagem mais popular, seja no plano interno ou externo, se operam de forma peculiar. Então, por exemplo, se o presidente da República não pode errar no nome do PGR, porque ele não vai poder tirar esse procurador, por sua vez o procurador-geral da República não pode errar na indicação dos cargos gerais internos que têm no biênio, com início e fim para acabar, salvo em situações específicas.

Então qualquer forma de governo ou mesmo de gestão de instituições que não seja gestão democrática isso esbarra e contraria o nosso artigo primeiro no caput, que é o Estado democrático de Direito e essa democracia participativa. O Constituinte entregou essa tarefa para o presidente da República com posterior sabatina do Congresso que pode vetar. Pode simplesmente não aprovar.

Dessa forma, a lista surge em determinado momento do País em que uma nova corrente política e ideológica assume a Presidência da República e da nossa nação e tem como base uma política corporativista. Com viés sindicalista. Que da minha parte não sou contra sindicalismo, no que toca os demais poderes Executivo, Legislativo, mas que é incompatível a uma instituição contramajoritária como o Ministério Público. Com as suas peculiaridades que não permitem em processo eleitoral partidário em que ocorrendo, vai desenvolver e atrair para o seu interior os mesmos vícios do processo eleitoral: clientelismo, fisiologismo, toma lá, dá cá, eventualmente até corrupção, evidentemente num grau muito baixo. O MPF tem sido exemplo de probidade dos seus membros. Evidentemente há um grau mínimo [de corrupção] comum às instituições e ao ser humano.

Caso indicado e aprovado em sabatina, o senhor chega ao posto mais alto do MPF em momento delicado, em que operações como Lava Jato vêm sendo questionadas depois de algumas gestões muito antagônicas. Com críticas a procuradores considerados engavetadores, depois passando para denúncias contra o próprio presidente de República. Como definir essa complexidade que o senhor pode encontrar ao assumir?

A Constituição tem artigos, 127 a 130, que tratam do Conselho Nacional do Ministério Público Federal. Lá estão as linhas mestras da atuação do Ministério Público e o MPF não foge à regra. E temos uma lei orgânica, que é a 75 de 1993 que estabelece a sua estrutura e organização. Ora, nós não precisamos ter nem um procurador persecutório e consequentemente injusto, nem termos um procurador ou procuradora que venha a ser benevolente. Nós precisamos, sim, de um chefe do MPF e da MP da União que seja capaz de cumprir a Constituição. Capaz de agir com impessoalidade. Capaz de imprimir à sua gestão com transparência e impessoalidade. Capaz de passar as suas mensagens a todo órgão público. Precisamos de um MP que faça jus ao termo que usa e intitula cada membro de procurador da República. Quem procura a República tem o compromisso com o conteúdo da República, que é a responsabilidade pela coisa pública. A RES pública.

E essa responsabilidade que velar pelo interesse público também dá o direito de cada membro de participar da vida interna, da gestão democrática, após indicação do presidente, aprovação em sabatina, nomeação e posse. Não precisamos de extremos. Nem de melhor, nem do pior, precisamos do caminho do meio. A virtude está no caminho do meio. Precisamos do caminho do meio que é Constituição. Que promove a realização do espírito do povo brasileiro. A Constituição é fruto desse espírito, como o espírito do tempo eventualmente se altera. Seja o MPF seja o PGR, outros órgãos como o Supremo precisam se adaptar à carta jurídica, à letra fria da Constituição, à realidade factual. A Constituição há de se realizar de forma aberta. Isso não significa dizer que esteja no capricho de quem quer que venha chefiar o MPF. Ser um algoz ou um santo, no sentido da benevolência.

Alguns veículos de comunicação estão colocando nomes que o senhor traria para a sua gestão. Entre eles nomes de visão mais conservadora. Existe esse pensamento?

Nós precisamos compartilhar as ideias, não caprichosas e personalíssimas, mas as que emanam do texto da Constituição e das leis. Evidente que existem correntes dentro do MP que têm viés distinto daquele que nós acreditamos ideal para a instituição. Se eu ou por ventura outro colega natural que procuremos pessoas com afinidade e modo de ver parecidos. Eu não tenho ainda pensado em nenhum nome. Só quero dizer que tenho critérios, o primeiro é cumprir a lei complementar 75 de 1993, que estabelece que a carreira se inicia com cargo de procurador e termina com o cargo de subprocurador-geral da República.

Assim nós temos um norte a seguir que está na lei. A lei diz que os cargos superiores devem ser ocupados por subprocuradores da República. Não podemos inverter a lupa para desprezar os valores obtidos ao longo do desenvolvimento de uma carreira pública. O outro critério é buscarmos abolir a forma corporativa de gerir a coisa pública. Toda a forma que exclua colegas atenta primeiro contra a República que pressupõe pela igualdade perante a lei. Há pessoas competentes que nunca foram lembradas porque não se dispõem a fazer a política típica do corporativismo mal são que tomou conta do MP, mas fortemente do MP Federal.

A marca da gestão Aras será combate à politicagem interna, podemos dizer?

No plano interno propriamente a politicagem, porque a política é natural de todos nós. A ideia de que o corporativismo fez um desserviço ao MPF. Precisamos muito buscar na Constituição e na lei complementar aplicar o princípio da unidade da instituição. Da indivisibilidade e da independência constitucional.

Compete às Câmaras de fiscalização e revisão, que é MP, fixar a unidade a partir da compreensão de certos pontos. Uma vez estabelecido um posicionamento, precisa ser respeitado pelas instâncias inferiores sem que atente pela independência institucional. O princípio da unidade evita o caos administrativo e não suprime a independência institucional. Nenhum colega fará o que não quer, mas precisa assegurar o respeito aos órgãos superiores. Precisamos estabelecer a prioridade no cumprimento das regras. É melhor sermos escravos da lei do que escravos do homem. O corporativismo subverte essa lógica.

O senhor mencionou a questão da segurança jurídica, temos vivido embates entre as instituições, há vários governos. O Supremo chegou a impedir posse de ministros indicados pelo presidente e o Supremo atua como não só como garantia da lei mas como contraponto a decisões presidenciais. Como MP atua nesse cenário e como trazer harmonia entre Poderes?

Há mais de 100 anos os federalistas americanos já pregavam que a independência dos Poderes deveria ser seguida da harmonia desses Poderes. Entre todos os órgãos. O MP não se caracteriza como um poder mas exerce poderes e é importante nesse aspecto dizer que não há desconforto de nenhum procurador da República que cumpre a Constituição no seu trato diário com o STF. A Suprema Corte merece o respeito de todos os brasileiros. Quando ela fala, fala por último e é preciso se respeitar. Cada ministro tem formação qualificada, respeito e profissional altamente qualificado como jurista e deve ser um estadista. Deve pensar nas suas funções como Brasil, como nação, como o chão que todos nós nascemos, ou não, pisamos, nos devotamos.

O MP tem e deve ter toda a compreensão de discutir no âmbito democrático a tolerância e respeito institucional com o Supremo e buscar as melhores soluções entre as múltiplas existentes para as questões sociais, políticas, culturais, econômicas, jurídicas que porventura cheguem à Suprema Corte. Na minha carreira no MP, como professor e anteriormente como advogado nunca tive uma desavença porque a tolerância integra não somente a democracia mas a minha capacidade pessoal de aceitar o diferente, a divergência da natureza humana que faz da vida bela porque faz com que estejamos em permanente evolução.

Uma lição antiga de Rui Barbosa pouco lembrada nos últimos tempos: “Só os loucos não mudam de opinião. Porque só os loucos têm ideia fixa”. Precisamos estar abertos para a possibilidade constante para mudarmos opinião, não de forma arbitrária, mas para que o interesse público se realize de forma clara e que tenhamos princípios que nos orientam no artigo 37 da Constituição como do nosso cotidiano: moralidade, legalidade, impessoalidade, economicidade, efetividade, transparência, publicidade, enfim, é preciso que esse Ministério Público seja o maior cultor dos valores e princípios que regem a administração pública para que ele não só faça o escrutínio dos demais poderes, mas que possa ser escrutinado de fora para dentro, para que a sua legitimidade material se realize também no plano da submissão total à Constituição e às leis do País.

Entre os desafios do MPF temos as delações premiadas, criticadas por membros do Supremo que disseram ser método que não traz benefícios efetivos para a nossa sociedade. E de outro lado enfrentamento a questões de mensagens vazadas da Lava Jato que levaram às críticas à operação. Como o senhor vê essa questão?

Primeiro preciso dizer que o MP por vocação histórica e pela sua origem é o titular da ação penal, para punir aqueles que cometem graves ilícitos. Mas o MP que nos foi entregue pelo constituinte de 1988 foi muito além. Nos entregou um MP que participa da vida de cada cidadão desde o pão, o café, o açúcar, a carne, o leite até a cultura, passando pela família, escola por todas as relações econômicas e de consumo que promovem a vida em sociedade. E isso o MP nesses 30 anos e nos últimos 15 anos parece não ter percebido a importância de dar a sua contribuição para o desenvolvimento do País.

A nossa perspectiva em uma gestão, se por ventura venha a ser escolhido, é primeiro manter a luta incessante no combate contra a corrupção. Transformar o padrão Lava Jato em algo a ser incorporado pelo MP em todas as suas dimensões e mais estender esse combate à corrupção aos Estados e municípios. Isso é fundamental. Mas é importante que o MP e o CNMP, presidido pelo PGR possam estabelecer regras precisas, um manual de boas práticas. Seja para o funcionamento de forças-tarefas, figuras que não estão normatizadas no Direito brasileiro, seja para disciplinar mesmo as delações premiadas.

Tivemos um festival de delações premiadas, mas o número de delações efetivas, úteis, é muito pequeno. Temos praticamente 70% das delações premiadas sem qualquer utilidade. E mais, com graves lesões aos delatados e grandes benefícios aos delatores. Porque a delação por si só não é prova idônea, precisa ser ratificada por outros meios de provas: periciais, documentais, testemunhais, confissão real. Um manual de boas práticas pode indicar a atuação do MP que não ultrapasse os limites éticos disciplinares a até mesmo legais no exercício das suas funções.

A minha proposição mais importante desse novo MP é que ele passe a agir de forma preventiva, em vez de ser órgão que guarda a ideia do acusador e do repressor. Ele passe a atuar na prevenção, especialmente na área econômica. Em vez de esperar que das 34 mil obras paradas no Brasil, 14 mil obras paralisadas na esfera federal, que possam estar paradas por decisões judiciais do MP ou por recomendações que esse MP possa participar antes, com trabalho prospectivo para que possa perceber eventuais vícios. Para que o País não venha a sofrer perdas. Temos experiência na terceira câmara de ações preventivas.