Justiça Federal suspende remoções futuras da vila Nazaré até Fraport apresentar solução para moradores

Uma audiência de conciliação ocorre em 8 de agosto

Foto: Correio do Povo

A Justiça Federal determinou a suspensão temporária das remoções futuras de famílias da vila Nazaré para ampliação da pista do aeroporto Salgado Filho. O despacho, da última sexta-feira, determina à Anac que fiscalize as ações da Fraport Brasil S.A., concessionária que administra o aeródromo. Entre as atribuições determinadas pela Justiça, que a empresa “abstenha-se de realizar qualquer remoção forçada ou contra a vontade de moradores localizados na vila Nazaré para empreendimentos custeados com recursos públicos.” A decisão vale para a segunda etapa das remoções, referente a novas unidades dos condomínios Irmãos Maristas e Nosso Senhor do Bom Fim.

Além disso, o texto da decisão exige que a concessionária “apresente solução habitacional que abranja a totalidade das famílias da vila Nazaré, a qual deve ser adequada aos moradores, garantindo-se a manutenção de seus meios de geração de renda, conforme o exposto, respeitando a adequação e identificação territorial e cultural da comunidade, bem como seu direito a escolha, garantindo a isonomia de tratamento, inclusive com relação às opções disponíveis.”

A Anac deve fiscalizar, ainda, se a Fraport Brasil S.A. vai cumprir cláusula contratual que determina o repasse de verbas ao poder público equivalentes aos custos dos apartamentos já empregados para realocação dos moradores da região.

Já a Fraport deve promover o cadastramento imediato da totalidade das famílias componentes da vila Nazaré (até agora apenas 932 foram incluídas) e apresente em dez dias um plano de solução habitacional.

A decisão também estabelece que a Prefeitura, além de garantir que não haja remoção antes do cumprimento das exigências previstas na decisão, apresente aos moradores da região o plano em questão, além de abertura de prazo público para permitir aos moradores “a formalização das opções de solução habitacional de sua preferência dentre as ofertadas.”

Em outra parte da decisão, a magistrada sustenta que “conquanto ausente um cadastro completo sobre as famílias a serem removidas, afigura-se adequado e justo o critério utilizado pelo Município e pelo Demhab para início das remoções, uma vez que, além da livre manifestação de vontade de cada uma das famílias contempladas nesta primeira fase, utilizou-se como regra definidora dos contemplados a vulnerabilidade dos núcleos familiares, como idade avançada e a presença de pessoas portadoras de necessidades especiais”.

Conforme a juíza, no contrato de concessão assinado entre a União e a Fraport Brasil S.A., ficou estabelecido que a empresa fique responsável por “manter a integridade da área do aeroporto, inclusive adotando as providências necessárias à desocupação das áreas do sítio aeroportuário ocupadas por terceiros.” Desse modo, a responsabilidade pelo custeio e realocação da comunidade era da concessionária.

Ainda na decisão, uma audiência de conciliação ficou marcada para o dia 8 de agosto.

O que dizem a Prefeitura e a empresa

A Prefeitura de Porto Alegre, através da Procuradoria-Geral do Município (PGM), ressaltou entender que a decisão se refere apenas à segunda fase de reassentamento da população do local, ainda não iniciada. Conforme a PGM, o Demhab ainda está executando a primeira fase, iniciada em 20 de junho e sem data para terminar. Oitenta famílias foram transferidas até agora, e conforme o procurador-geral em exercício, Nelson Marisco, “a decisão demonstra que a Justiça está tentando resolver a questão consensualmente.”

A Fraport Brasil S.A. afirmou que apenas vai se manifestar após a audiência do dia 8 de agosto.

Região é alvo de facção criminosa

Ainda na última quarta-feira, órgãos de segurança desencadearam no local a “Operação Nasa”, ação que teve como alvo suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas e ameaças a moradores, supostamente ameaçados e coagidos pelos criminosos a não deixarem a vila.

Conforme as informações repassadas pela PC, os criminosos não querem que os moradores saiam do local para que o ponto de tráfico operado na região seja mantido.

Andamento da obra

A Fraport afirmou que precisa da área onde hoje se localiza a vila, até o fim de dezembro, para que o cronograma de obras seja cumprido. No total, 1,3 mil famílias terão de deixar o local para que sejam finalizados os trabalhos de ampliação do aeródromo.

Até agora, 80 famílias já foram realocadas para o condomínio Senhor do Bom Fim, no bairro Sarandi. A segunda etapa está prevista para ocorrer até o fim do ano, e trata de outras 1.222 famílias, 286 também para o Senhor do Bom Fim e outras 936 para o condomínio Irmãos Maristas, no bairro Rubem Berta, ainda não concluído.

Vila Nazaré virou pauta na Alemanha

Ainda na semana passada, o jornal alemão Haldelsblatt publicou matéria sobre o endurecimento da legislação na Alemanha acerca do cumprimento de direitos humanos por parte de empresas do país no exterior. Entre os alvos da reportagem, justamente a Fraport, que vai ter de responder por supostas violações de direitos humanos no Brasil. Mais adiante, na mesma reportagem, o caso da Vila Nazaré é abordado pelo periódico europeu.

O jornal classifica as moradias do local como “cabanas construídas pelas próprias mãos por pessoas da parcela mais pobre da sociedade”. Na sequência, desenvolve o raciocínio sobre a política de remoção dessas pessoas para ampliação da pista do aeroporto e os mecanismos duvidosos usados para tanto. Da Alemanha, o porta-voz da empresa garante: “temos confiança no judiciário brasileiro”.