Vazamentos apontam que Dallagnol teria usado Lava Jato para lucrar com palestras

Segundo reportagem do The Intercept, procurador teria montado um plano de negócios para participar de eventos

Foto: Arquivo/ABr

Uma nova reportagem do The Intercept Brasil, divulgada neste domingo, apurou que o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato, teria montado um plano de negócios para lucrar com eventos e palestras sobre a investigação. As supostas mensagens obtidas pelo The Intercept foram analisadas em conjunto com a equipe da Folha de S.Paulo.

Segundo a reportagem, em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Dallagnol e um colega da Lava Jato teriam discutido a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas. A ideia era usar o nome das suas respectivas esposas.

Os procuradores também teriam cogitado a criação de um instituto sem fins lucrativos para pagar altos cachês a eles mesmos, além de uma parceria com uma firma organizadora de formaturas para alavancar os ganhos do projeto.

As conversas mostram ainda que o procurador teria incentivado outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneradas, entre eles o ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e outros procuradores que atuaram no escândalo de corrupção.

Recuperação financeira

Em um chat com o procurador Carlos Fernando Santos Lima, no aplicativo Telegram, o procurador teria justificado sua atividade, dizendo que ela compensava um prejuízo financeiro decorrente da Lava Jato. “Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, porque fora eu fazia itinerâncias e agora faria substituições. Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso”, continuou Dallagnol no mesmo chat.

‘Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok?’

De acordo com a apuração do The Intercept, a ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato teria sido manifestada por Dallagnol nos chats em dezembro passado. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, afirmou em conversa com a esposa.

No mesmo mês, o procurador e seu colega na força-tarefa da Lava Jato Roberson Pozzobon teriam criado um chat específico para discutir o tema, com a participação das mulheres de ambos. “Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, escreveu Dallagnol no chat.

Empresa no nome das esposas

Segundo a reportagem do The Intercept Brasil, após a troca de várias mensagens sobre formatos do negócio, em 14 de fevereiro deste ano, Dallagnol teria proposto que a empresa fosse aberta em nome das esposas, e que a organização dos eventos ficasse a cargo da firma Star Palestras e Eventos: “Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito e as tratativas gerenciais que precisam ser de vocês duas, por questão legal”.

Em seguida, o procurador alertou para a possibilidade de a estratégia levantar suspeitas. “É bem possível que um dia ela seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”. Pozzobon comentou, em tom jocoso: “Se chegarem nesse grau de verificação é porque o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”.

Nota afirma que palestras ocorreram de maneira compatível

Na reportagem da Folha de São Paulo deste domingo, o Ministério Público Federal no Paraná afirmou em nota que Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobom “não têm empresa ou instituto de palestras em nome próprio nem de seus familiares. Tampouco eles atuam como administradores de empresas.”

A assessoria da Procuradoria no Paraná disse que os integrantes da força-tarefa da Lava Jato declararam que “não reconhecem as mensagens que têm sido atribuídas a eles” e que “esse material é oriundo de crime cibernético e não pôde ter seu contexto e veracidade comprovado”.

Quanto ao tema das palestras, a nota ainda reforça que “é lícito a qualquer procurador, como já decidido pelas corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerados”. “Palestras remuneradas são prática comum no meio jurídico por parte de autorides públicas e em outras profissões”, diz o texto.

Em relação à atividade específica de Deltan, a nota afirma que ele “realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção de modo sempre compatível com o trabalho. A maior parte delas é gratuita, e quando são remuneradas, são declaradas em imposto de renda e ele doa parte dos valores para fins beneficentes.”