Mais pobres são os que mais usam cheque especial

Brasileiros com até dois salários-mínimos são os que mais enfrentam dificuldades para manter as contas em dia

Foto: Célia Bastos / USP Imagens / Divulgação / CP

Os brasileiros mais pobres e com menos escolaridade são as maiores vítimas dos altos juros cobrados pelos bancos no cheque especial. A modalidade de empréstimo mais simples, porém mais cara, do mercado tem sido a saída dos trabalhadores com menor renda para fechar as contas no fim do mês, informa o jornal O Estado de S. Paulo. O resultado dessa equação são altos níveis de inadimplência nessas operações, que superam o de qualquer outra linha de crédito disponível para famílias. Estudo do Banco Central mostra que 43,9% dos usuários do cheque especial têm renda inferior a dois salários-mínimos (R$ 1.996) e 12,5% estão com os pagamentos em atraso superior a 90 dias.

Outros 33,5% dos clientes que usam esse tipo de crédito ganham entre dois e cinco salários, com 6,4% de inadimplência. Considerando o nível de escolaridade, a inadimplência no cheque especial também é maior entre aqueles que estudaram por menos tempo e não chegaram a cursar uma faculdade. A taxa média cobrada pelos bancos no cheque especial passou de 322,7% ao ano em março para 323,3% em abril. No crédito pessoal, por exemplo, os juros passaram de 45,3% para 45,9% ao ano.

“Uma vez que baixa escolaridade e baixa renda estão interligadas, é difícil saber se a maior inadimplência é resultado do não entendimento das características do produto (questão educacional) ou do seu custo elevado (questão de renda) ou ainda de uma combinação dos dois”, pondera o BC no documento.

Em dezembro do ano passado, o saldo do cheque especial totalizou R$ 21,98 bilhões, dos quais R$ 3,38 bilhões estavam inadimplentes. Esse nível de inadimplência de 15,36% é bem superior à média do total de operações de crédito para pessoas físicas, de 3,25%. Para o BC, é importante o desenvolvimento de estratégias de utilização desse instrumento de forma mais adequada por seus usuários.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico nesta semana, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a instituição estuda autorizar os bancos a cobrarem uma tarifa dos clientes no acesso ao cheque especial, em troca de uma redução dos juros cobrados na modalidade. Desde julho do ano passado, os bancos estão oferecendo um parcelamento para dívidas no cheque especial. A opção vale para débitos superiores a R$ 200.

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), entre julho de 2018 e abril deste ano, 9,55 milhões de pessoas migraram do cheque especial para o parcelado. Só em abril, dado mais recente, 1,11 milhão de pessoas fizeram a troca da linha que cobra juros médios de 12,31% ao mês para a outra, cujo custo é de R$ 3,21 ao mês, de acordo com levantamento feito com 12 bancos que representam 90% do mercado.

A expectativa da Febraban era de que essa migração do cheque especial para linhas mais baratas acelerasse a tendência de queda do juro cobrado ao consumidor. Em junho de 2018, antes do início da nova dinâmica, a taxa do cheque especial estava em 304,9% ao ano.

A outra ponta para o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, a inadimplência maior no cheque especial entre as pessoas com menor renda e escolaridade não significa que apenas essa camada da população precisaria de mais educação financeira. Segundo ele, mesmo pessoas com mais estudo e conhecimento sobre o funcionamento desse tipo de crédito acabam caindo na armadilha dos recursos disponibilizados de maneira automática pelas instituições financeiras.

“As classes de maior renda e escolaridade cometem os mesmos erros no cheque especial, mas conseguem sair rapidamente do instrumento. Quando essas pessoas exageram em compras por impulso, normalmente superam esse desequilíbrio sacando de outra reserva financeira”, explica.

“É tanta conta, mas não tem o que cortar”, diz trabalhador de 24 anos

Uma carta de um serviço de proteção ao crédito recebida no fim de maio mostrou ao vendedor de loja Matheus Duarte dos Santos, de 24 anos, o que ele chamou de dura realidade. “Percebi que o salário que eu recebo não está sendo suficiente para pagar as contas e que eu estou me tornando inadimplente.”

A carta informava que ele estava sendo protestado por ter deixado de pagar em dia o carnê de uma loja de departamentos. “Fiz a compra no início de fevereiro e tinha de pagar a segunda parcela em abril, mas não sobrou dinheiro. Em maio, chegou a carta do Serasa. Fiquei meio em choque.”

Santos tem salário líquido de R$ 1,8 mil por mês e faz parte do grupo de brasileiros que mais enfrenta dificuldade para manter as contas em dia: os que recebem até dois salários-mínimos por mês. Ele passou a morar com sua mulher há quatro meses, mas a situação financeira não permite que faça planos, como o de ter filhos, por exemplo. “Pago R$ 800 de faculdade, R$ 500 de aluguel (a mulher paga outros R$ 500), gasto R$ 500 com alimentação e R$ 250 de combustível, mais R$ 80 de internet, além de energia e água. O salário não dá, não sobra nem para um happy hour.”

Isso explica porque, além do atraso do carnê, ele está com mais de R$ 500 negativos no cartão de crédito, que tem juros elevados, e já teve problemas com o cheque especial. Após estourar o limite, ele teve de negociar com o banco e ainda tem um resto da conta para pagar. “É tanta conta que tenho medo que vire uma bola de neve, mas não há o que cortar. Não tenho gasto supérfluo”, diz. Para sua sorte, a moto que usa para ir ao trabalho e à faculdade já está quitada.

No caso do carnê atrasado da loja de departamentos, ele fez o pagamento para tirar o nome do cadastro de inadimplentes, mas reclama do juro alto. “A parcela era de R$ 205, atrasei 45 dias e paguei R$ 290, ou seja, subiu R$ 85, não sei que juro maluco é esse.”

A mulher de Matheus é professora em academia de ginástica e ele divide com ela as despesas da casa. O gasto mais elevado é com a faculdade particular onde o rapaz cursa Tecnologia da Informação (TI). Como trabalha e estuda, não sobra tempo fazer “bicos” e ganhar algum dinheiro extra. Com a crise do País, ele se dá por feliz por estar empregado e nem cogita pedir aumento de salário. “Até pensei em parar a faculdade, mas seria abrir mão de um futuro melhor. Vou levar assim, tentando pagar em dia o que for possível, e torcendo para que as coisas melhorem.”