“Quando tirarem essas algemas de mim, a primeira coisa que eu vou fazer é ir até Santa Maria e rezar onde está enterrado meu filho”, declarou Leandro Boldrini durante o terceiro dia do julgamento do Caso Bernardo, no Fórum de Três Passos. Pai da vítima e um dos acusados pela morte do menino, ele foi primeiro réu a ser ouvido no júri popular, em um depoimento que durou mais de três horas e meia. Durante suas respostas, o médico, após recomendação de seus advogados, falou sempre de frente para os jurados e disse que não mandou matar Bernardo. “Foi a Graciele (Ugulini, madrasta) e a Edelvânia (Wirganovicz, amiga de Graciele) que mataram meu filho.”
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Durante suas respostas, Leandro Boldrini intercalou diversas vezes a frase “senhores jurados”, falando sempre de frente para o júri popular. O réu também variou suas reações, por vezes respondendo lentamente aos questionamentos e em outras inclusive levantando para demonstrar algumas situações. Em uma delas, narrou a situação em que, após ser preso, Graciele teria lhe admitido ser responsável pela morte de Bernardo. Declarando-se inocente, ele disse aos promotores que tomou conhecimento de que o filho havia morrido somente no dia 14 de abril de 2014, quando o corpo foi encontrado.
O acusado foi diversas vezes questionado sobre como era a sua relação com Bernardo. Ele admitiu ser um pai ausente, mas com a justificativa de que seu trabalho não lhe permitia ter muito tempo para o filho. “A profissão de médico, de cirurgião, requer uma dedicação em tempo integral. Pode ser por esse motivo que eu fosse um pai mais provedor do que um pai presente”, relatou Boldrini. O réu também concordou com as afirmações de que Bernardo costumava dormir na casa dos amigos, mas que o contrário não costumava acontecer. “O Bernardo decidia a agenda dele”, disse.
Ao falar sobre a relação de sua mulher, Graciele Ugulini, com o menino, Boldrini disse que ela não chegou a mencionar que Bernardo seria um “estorvo” para o núcleo familiar, mas confirmou que existiam atritos entre os dois. Durante essas respostas, ele comentou os vídeos registrados por ele mostrando as brigas da família com o garoto. As imagens foram amplamente divulgadas e mostram, por exemplo, o garoto com uma faca pedindo para o pai parar de gravá-lo. Segundo Leandro Boldrini, o objetivo das gravações era conciliar Bernardo e a madrasta. “Eu queria que eles se acertassem”, disse. Ele ainda disse que após esse registro tomou a decisão de encaminhar a criança a um psiquiatra. “Melhorou 100%”, garantiu o réu.
Boldrini ainda procurou mostrar que, ao contrário de algumas acusações, havia tentado se aproximar de Bernardo. “Combinei com ele que, como o final de semana tinha dois dias, ele poderia curtir o sábado na casa do amigo que preferisse, mas que domingo passaríamos juntos”, disse. Foi questionado, então, como foi sua postura quando o menino desapareceu. Contou que iniciou uma “maratona de ligações” e foi novamente indagado do motivo pelo qual teria ido trabalhar normalmente na segunda-feira, três dias depois do desaparecimento. “Eu estava no hospital crente de que ‘ah, ele vai estar no colégio, está me pregando uma peça'”, disse. Afirmou, no entanto, que, quando soube que a polícia trabalhava com a possibilidade de morte, sentiu “um arrepio”.
“Ele era integrante da família. Não era um estorvo. Senhores jurados, não era um estorvo”, disse Leandro Boldrini durante o depoimento. Um dos pontos trazidos durante os questionamentos foi sobre a primeira comunhão de Bernardo, que Leandro não compareceu. Segundo o médico, o menino só lhe avisou da data alguns dias antes, quando ele já havia marcado de ir a um casamento com Graciele. “Ele teria que ter a responsabilidade de me avisar mais cedo”, justificou. Ao final da sessão, o médico se declarou inocente e disse que não se preocupa em como reconstruirá a vida se for absolvido, que vai trilhar seu caminho de volta em Três Passos, pois essa “cruz” não se compara à perda do filho.
Possibilidade de anulação do júri movimenta fim de depoimento
O julgamento do Caso Bernardo corre o risco de ser anulado após um episódio ocorrido na sessão desta quarta, durante o depoimento do réu Leandro Boldrini, no Fórum de Três Passos. Em meio aos questionamentos do Ministério Público (MP), a defesa do acusado interrompeu e orientou seu cliente a parar de responder às perguntas. A acusação, então, continuou perguntando ao pai da vítima, que permaneceu sentado, em silêncio. Ao final, seus representantes argumentaram que a continuidade do interrogatório gerava constrangimento e prejudicava a avaliação do júri popular. A possibilidade de nulidade foi registrada à juíza Sucilene Engler e poderá ser utilizada ao final do julgamento, caso Boldrini seja condenado.
Leandro Boldrini respondeu aos questionamentos dos primeiros promotores, Bruno Bonamente e Silvia Jappe, sem interrupções de seus advogados. Durante as perguntas de Ederson Vieira, que por vezes se mostrou mais incisivo, os representantes do réu disseram que a acusação estava faltando com a educação e orientaram ao pai de Bernardo que permanecesse em silêncio. O médico, a partir daí, silenciou. Para a defesa, no entanto, a continuidade violava o direito do acusado permanecer em silêncio e prejudicava o júri, que poderia entender que, ao não responder, Boldrini estivesse confessando.
Ao tentar, sem sucesso, que a juíza não consignasse as perguntas, a defesa citou decisões precedentes em que o julgamento foi anulado em função disso. O júri, no entanto, segue normalmente. Ao final, esse registro feito pela defesa, pode ser utilizado para pedir a anulação do júri. Se a magistrada negar, o pedido será submetido ao Tribunal de Justiça e, se for atendido, em tese, todo o julgamento precisaria ser feito novamente. A questão tumultuou os ânimos no final da sessão.