MP: Vale tinha ciência que situação de Brumadinho era de “atenção”

De acordo com diretor da Vale, a expressão "zona de atenção" não representa risco iminente

PF indicia 13 por rompimento da barragem da Vale. Foto: Divulgação Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
PF indicia 13 por rompimento da barragem da Vale. Foto: Divulgação Corpo de Bombeiros de Minas Gerais

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) teve acesso a documentos da mineradora Vale revelando que a Barragem I da Mina do Feijão, em Brumadinho (MG), era classificada internamente como “zona de atenção”. Além dela, outras nove estruturas tinham a mesma situação no ano passado. O ministério cobra a adoção imediata de um plano de emergência pela mineradora.

A Agência Brasil teve acesso à ação civil pública movida pelo MPMG para cobrar da mineradora medidas que possibilitem evitar novas tragédias. Movida em 31 de janeiro, seis dias após o rompimento da barragem I da Mina do Feijão, a ação tramita em sigilo. Nela, há em anexo documentos internos da mineradora.

De acordo com o MPMG, ao verificar se a Vale tinha desenvolvido uma metodologia própria de análise de riscos, os promotores identificaram uma avaliação geotécnica interna. “Em outubro de 2018, a requerida tinha ciência de que, dentre 57 barragens de sua responsabilidade avaliadas, 10 estavam em zona de atenção”, cita a ação.

Para o MPMG, a mineradora não adotou medidas necessárias para “assegurar a estabilidade das barragens de rejeitos e demais estruturas integrantes de seus complexos de mineração, não apenas documentalmente mas sim faticamente.”

Sugestões
Nos documentos, o MPMG indica a necessidade da adoção de medidas imediatas para evitar tragédias em outras barragens. A lista abrange a barragem Laranjeiras, em Barão de Cocais (MG); as barragens Capitão do Mato, Dique B e Taquaras, em Nova Lima (MG); as barragens Forquilha I, Forquilha II e Forquilha III, em Ouro Preto (MG).

Também estão na relação de alerta as barragens I, IV e Menezes II da Mina do Feijão, em Brumadinho. O MPMG salienta que todas estão próximas a núcleos urbanos, o que exige mais atenção.

Auditoria
Entre os pedidos apresentados à Justiça, o MPMG quer que a Vale seja obrigada a apresentar em 24 horas auditoria técnica independente que assegure a estabilidade das barragens listadas e de todas as demais estruturas que existem nos mesmos complexos minerários.

Há, ainda, a cobrança de um plano de ações emergenciais que contemple o cenário mais crítico e que as populações próximas sejam comunicadas caso se verifique a inexistência atual de condições de segurança. Em outra solicitação, pede-se que a mineradora seja proibida de lançar rejeitos nessas barragens.

Outro lado
Em nota, a Vale informou que todas as estruturas citadas receberam laudos de estabilidade e segurança emitidos por auditorias externas e independentes. “O documento citado é um estudo realizado com base em metodologia interna, na qual os geotécnicos da própria Vale reavaliam as estruturas já certificadas por auditorias externas como seguras e estáveis. Essa metodologia utiliza um padrão mais rígido que a legislação nacional e internacional vigente e, por isso, tem por objetivo prospectar medidas adicionais de prevenção”, sustenta a empresa.

Diretores da mineradora também abordaram o assunto hoje durante coletiva de imprensa onde contestaram algumas hipóteses para o rompimento. O diretor de Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão, Lucio Cavalli, afirmou que a mineradora desenvolvia um modelo probabilístico, segundo a (certificação internacional) ISO 31000.

“Para sermos mais rigorosos ainda com as nossas estruturas e para garantirmos que as nossas estruturas estavam em condições. O foco é fazer um prognóstico para adotarmos ações preventivas nas nossas barragens”, disse Lucio Cavalli.

De acordo com o diretor da Vale, a expressão “zona de atenção” não representa risco iminente. “Significa que devemos cumprir as recomendações feitas”, completou Cavalli.

Para o diretor de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Luciano Siani, a legislação brasileira observa a avaliação de risco conforme as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Segundo ele, a administração da empresa não tinha conhecimento das classificações das barragens baseadas nesse modelo probabilístico.

Paralisação
A ação do MPMG teve acolhida da Justiça Estadual que determinou no dia 4 de fevereiro a paralisação das atividades de oito barragens da Vale.

Segundo a mineradora, com exceção da barragem de Laranjeiras, todas as outras já não recebiam rejeitos antes da decisão. A mineradora também garante que as providencias solicitadas pelo MPMG estão em andamento.

A barragem de Laranjeiras fica na Mina de Brucutu, a maior da Vale no estado de Minas Gerais. O impacto estimado da paralisação é de aproximadamente 30 milhões de toneladas de minério de ferro por ano.

Segundo Luciano Siani, trata-se de uma barragem convencional, que não adota o método a montante, o mesmo que era usado na estrutura da Vale, que se rompeu em Brumadinho (MG) e também na da Samarco – que originou a tragédia de Mariana (MG) em 2015.

De acordo com o diretor, por esse motivo, a Vale entende que não cabia incluir a Laranjeiras na ação. “A companhia vai tentar conversar com os envolvidos até para esclarecer essa situação e tentar uma solução amigável”, acrescentou Siani.