Operação na Praça do Capitólio revolta moradores de rua

BM afirmou ter sido acionada para intervir em briga; pertences foram levados pelo DMLU

Foto: Mauren Xavier / Especial CP

“Eles não podem fazer isso”, desabafou Luana Gonçalves Rodrigues, de 25 anos, após perceber que os pertences haviam sido levados no início da tarde desta sexta-feira da Praça General Daltro Filho, nas proximidades da Cinemateca Capitólio, no Centro de Porto Alegre. “Levaram tudo, roupas, nossos colchões. Tudo isso enquanto fomos buscar comida”, relatou.

Conforme Luana, não é a primeira vez que esse tipo de operação acontece. “Uma vez eles vieram até com jato d’água pra cima de nós, trataram que nem bicho”, lembrou. Ela se referia a uma nova operação da Brigada Militar. Conforme o comandante do 9º BPM, tenente-coronel Rodrigo Mohr Picon, os policiais militares foram acionados após um desentendimento entre os moradores de rua.

“Teve uma briga ali, entre eles. Inclusive o Samu teve que ser chamado ali para atender um deles, que ficou machucado. Fizemos uma operação de revista e identificação deles. Nada demais”, afirmou. Conforme Picon, as abordagens foram feitas porque “aquilo ali está virado, tomaram aquela praça”. “Todos estão muito indignados na região. Está havendo muito consumo de drogas, então estamos fazendo operações”, explicou.

Na tarde desta sexta, não foram apreendidas drogas ou armas entre as pessoas que vivem na praça.

DMLU e moradores de rua divergem

Sobre a retirada dos pertences, Picon explicou que não houve solicitação. “O que fizemos foi acionar o DMLU para fazer a limpeza e eles fizeram. Está tudo atirado… saem a perambular durante o dia e fica ali aquela sujeirada”, enfatizou.

Quanto aos objetos retirados pelo DMLU, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSurb) informou que a operação teve o acompanhamento de fiscais do DMLU e que “tudo que foi para o caminhão era descarte dos moradores, com o consenso deles”.

Luana contesta. “Já passamos muito por isso, agora sempre andamos com os documentos, porque já perdemos muitas vezes. Eles querem levar tudo”, acusou. Já Tayana Tayná Ferreira da Rosa, de 33 anos, contou que conseguiu correr para evitar o descarte da mochila do companheiro. “Aqui está tudo dele, a identidade e a carteira de trabalho também, imagina se perde?”, questionou.

“Ninguém está na rua porque quer”

Uma moradora da região que preferiu não se identificar contou que na semana passada havia doado três sacolas de roupas para meninas que vivem na praça. “Agora elas estão sem ter o que vestir, de novo. Juntei com amigas as roupas que podíamos doar e ajudamos elas. Por que precisam fazer essa crueldade?”, indagou.

Tayana lamentou as operações frequentes e disse que todo o esforço para conseguir um colchão e algumas peças de vestuário, foi por água abaixo. “Agora vamos conseguir tudo de novo, para depois eles levarem. Ninguém está na rua porque quer, eu queria uma casa também”, ressaltou.

As duas residem nas ruas de Porto Alegre há mais de uma década. Segundo elas, problemas com familiares motivaram a saída de casa. “Era só problema o tempo todo, saí e assim foi melhor para todo mundo”, disse Tayana, mãe de cinco filhos. Todos vivem com a avó, na Restinga. Já Luana é mãe de três, todos em abrigos sob tutela do Conselho Tutelar.

Para Defensoria, expulsão de moradores de rua é ilegal

Apesar de não ter havido uma operação de expulsão, a retirada dos pertences prejudica os moradores de rua que permanecem na praça. De acordo com a defensora pública Isabel Rodrigues Wexel, toda expulsão de morador de rua é ilegal em caso de não respeitar o devido processo legal.

“Assim como as pessoas que possuem residência, os moradores de rua veem na sua casinha de papelão sua moradia. Portanto, é necessário esclarecer o porquê da remoção, para onde vão, se dependem de ajuda para levar seus pertences pessoais”, pontuou, antes de enfatizar: “Qualquer ação em sentido contrário, é desumana e ilegal”.