Em tempos preços até 15% menores no gancho dos frigoríficos em função da superoferta de animais para abate que caracteriza este período do ano no Rio Grande do Sul, trabalhar com carne de qualidade dá ao pecuarista a “gordura” necessária para manter a criação lucrativa e ampliar a liquidez. Foi para debater as formas de qualificar cada vez mais a produção de carne premium que criadores de mais de 15 municípios de diversas regiões do Rio Grande do Sul reuniram-se no Encontro de Produtores Carne Angus, realizado sexta-feira e sábado (14 e 15/09).
O circuito comemorou os 15 anos do Programa Carne Angus Certificada e incluiu visita a quatro propriedades referência na Metade Sul. Depois de passar pela Estância Tradição e Granja Mangueira, em Santa Vitória do Palmar, e pela Granja 4 Irmãos, em Rio Grande, o roteiro foi concluído com visitação à Estância Santa Eulália, em Pelotas.
Mostrando que a produção de carne Angus é um projeto de amor e comprometimento em família, o criador Joaquim Bordagorry de Assumpção Mello recebeu o grupo de 250 visitantes ao lado da esposa Anna Helena, dos filhos e netos para visita pelos piquetes com vasta pastagem de azevém onde prepara seus animais exclusivamente a pasto para os concursos de carcaça Angus e para a temporada de primavera. “Sempre acreditei em produzir carne de qualidade e acho que fizemos um grande trabalho”, pontuou o criador que, além de integrar o grupo de 20 produtores que deu início ao projeto, foi seu grande incentivador quando presidiu a Associação Brasileira de Angus. Segundo o diretor do Programa Carne Angus, Reynaldo Salvador, a confiança dos pecuaristas foi essencial para essa trajetória. “Foi um caminho de sucesso construído com base em confiança e credibilidade e que hoje nos coloca em um mercado de excelência internacional que só tem a crescer”, frisou Salvador.
Durante palestra, o gerente do Programa Carne Angus Certificada, Fábio Medeiros detalhou os avanços do Programa Carne Angus ao longo dos últimos 15 anos. Os números impressionam. Além do universo de pecuaristas beneficiados, que saltou de 20, em 2003, para 5 mil, o Carne Angus certifica quase 500 mil animais ao ano nas 40 unidades fabris de 15 indústrias nos 12 estados onde atua. Em resposta aos avanços da carne Angus na preferência do consumidor, o uso da raça também ganhou força nos campos. Todos os anos, nascem 3,5 milhões de terneiros com sangue Angus no Brasil, cerca de 7% do total do país. “Lá no início, dizíamos aos pecuaristas: acreditem, nós vamos conseguir ganhar pelo novilho de qualidade. Hoje, mesmo com mercado ruim como está, o novilho Angus vale 10% a mais que o comum. É em momentos de superoferta como o que vivemos agora que o diferencial de preço obtido pelos novilhos Angus se faz mais importante, produzindo valorização e liquidez”, pontuou Medeiros.
Cruzamento é caminho de qualidade e produtividade
O caminho para ampliar a produção de carne de qualidade no Brasil é investir forte no cruzamento industrial, um processo que mantém os padrões de maciez e potencializa o ganho carniceiro das carcaças. Segundo estudo apresentado pela pesquisadora da Embrapa Gado de Corte, de Bagé (RS), Elen Nalério, enquanto a média de força de cisalhamento (força que se precisa fazer para romper as fibras da carne) da carne de um animal 100% Angus é de 4,5 kgf/cm³, um Nelore atinge escore médio de 7,5 kgf/cm³, com extremos desde 2kgf/cm³ para cortes Angus de alta maciez e 11kgf/cm³ para zebuínos. O gado meio sangue (F1), explica a especialista, fica com índice de 5,2 kgf/cm³, o que não compromete o quesito maciez, mas amplia substancialmente o indexador de área de olho de lombo, que atinge a marca de 80 cm², enquanto a média em animais Angus puros é de 65cm² e em exemplares Nelore, de 60 cm². Os dados fazem parte de estudo elaborado pela Embrapa que avaliou 55 animais e correlacionou diferentes graus de cruzamento Angus com maciez e capacidade carniceira (área de olho de lombo). “Não há comprometimento de maciez significativo com o meio sangue, mas há grande ganho em área de olho de lombo”, explicou durante palestra no sábado (15/09) no Encontro de Produtores Angus.
Elen informa que o melhoramento genético representa apenas 30% dos aspectos que determinam a produção de uma carne de qualidade. Há inúmeros outros fatores, como local de abate, acondicionamento e método de preparo que interferem na experiência sensorial dos consumidores e que precisam ser observados. A programação fetal, indica a pesquisadora, também atinge a qualidade do produto. Segundo ela, animais submetidos a restrições nutricionais durante a gestação podem comprometer a qualidade de carne, com concentração de gordura em alguns pontos do músculo, ou ainda a absoluta falta dele, diferente do índice de marmoreio uniforme almejado pelo consumidor. “Esses animais têm capacidade de acumular gordura, mas isso não ocorre de forma uniforme em função dessas dificuldades nutricionais na gestação”, ressaltou.
Defendendo a qualidade da carne bovina em relação a outras fontes de proteína animal, lembrou que o índice de gordura da maioria dos indexadores nutricionais usados na análise de dietas no Brasil não considera padrões locais de produção, utilizando dados de gado confinado e padrões norte-americanos. Segundo ela, cortes de carne bovina produzidos a pasto têm índice entre 2% e 3% de gordura, abaixo até mesmo do frango. “Precisamos nos informar melhor sobre a carne que produzimos e passar mais essas informações às pessoas. Precisamos deixar de demonizar a carne bovina”, salientou, lembrando que o importante, sim, é focar na produção de carne de qualidade, independe do público e poder aquisitivo ao qual ela se destina.