Exposição Queermuseu reabre no Rio após polêmica em Porto Alegre

Mostra recebeu classificação indicativa de 14 anos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro

O curador, Gaudêncio Fidelis (E) e o diretor-presidente da EAV, Fabio Szwarcwald durante coletiva sobre a exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, no Parque Lage, no Rio.

Estranho, esquisito, excêntrico, fora da norma. Essa é a tradução da palavra inglesa queer, que nos anos 1920 começou a ser usado de forma pejorativa para designar as pessoas homossexuais nos Estados Unidos. Com o passar do tempo, o termo ganhou um significado novo e acabou incorporado pela comunidade LGBT como símbolo de identificação popular. A partir dos anos 1980, surgiram os estudos acadêmicos que foram chamados de teoria queer, tendo como marco a publicação do livro Problemas de Gênero, da filósofa Judith Butler.

Essa é uma das bases da exposição Queermuseu – Cartografias da diferença na arte brasileira, que reabre no sábado na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no bairro do Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro. Hoje jornalistas fizeram uma visita prévia à exposição e conversaram com o curador Gaudêncio Fidelis, e o diretor da instituição, Fabio Szwarcwald.

A mostra reabre no Rio após ter sido suspensa pelos organizadores em setembro do ano passado em Porto Alegre, onde era exibida no Centro Cultural Santander, após campanha agressiva em redes sociais contra o conteúdo da exposição. A Queermuseu ficou fechada durante um mês, período restante para terminar a temporada, com fitas para isolar a área dentro do espaço cultural.

Após o fim antecipado, os produtores chegaram a negociar com o Museu de Arte do Rio (MAR), que é ligado à prefeitura, mas a mostra acabou vetada pelo prefeito Marcelo Crivella. Então, o Parque Lage, espaço do governo do estado, abriu as portas para a exposição. Szwarcwald explica que a Escola de Artes Visuais do Parque Lage sempre representou um espaço de resistência, criado durante a ditadura militar, e teve amplo apoio e financiamento da sociedade para receber a Queermuseu.

“A Secretaria de Cultura nos deu carta branca para iniciar essa campanha, muito desafiadora, contra a censura, no momento em que a gente vivia um obscurantismo muito grande nas artes. Lançamos o crowdfunding no dia 31 de janeiro desse ano e o resultado foi impressionante, já que foi a maior campanha de crowdfunding do Brasil”, afirmou o diretor da Escola de Artes Visuais.

No total, foram arrecadados mais de R$ 1 milhão em 58 dias, com 1.659 colaboradores na vaquinha virtual, o que possibilitou a reforma da Cavalariça do Parque Lage para receber a exposição.

Além da sexualidade
A exposição reúne 214 obras de 82 artistas, um número menor do que as 264 da exposição original. Segundo o curador, Gaudêncio Fidelis, a redução não cortou nenhum artista e não modificou a integridade conceitual da mostra, mas era necessária para adaptar ao espaço expositivo, menor do que o de Porto Alegre.

Essa é a primeira curadoria sobre a temática queer no Brasil e na América Latina e abrange obras desde o século 19 até a atualidade, com artistas como Adriana Varejão, Cândido Portinari, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Alair Gomes, Guinard, Leonilson e Pedro Américo, reunidas de coleções públicas e particulares.

Segundo Fidelis, o objetivo da exposição é expor as diferenças entre as pessoas, indo muito além das questões de gênero e de sexualidade, abordando todo tipo de comportamentos pensado e construído fora da perspectiva exclusivamente normativa e que se estabelece dentro da institucionalidade.

O curador explica que a teoria queer dá uma contribuição para a exposição, mas que a mostra não é uma ilustração dessa teoria. “A exposição se alimenta da teoria queer assim como outros campos teóricos, como o marxismo, o estruturalismo, formalismo”.

Vitória da democraia
Fidelis considera que a reabertura da exposição para a sociedade brasileira “designa a vitória da democracia”. Ele salienta que todo o debate que se seguiu após o fechamento em Porto Alegre é um dos legados da exposição, além do combate ao fundamentalismo.

“Ela abriu o debate de uma maneira extremamente ampla, onde setores muito remotos da sociedade passaram a debater gênero e sexualidade em consonância com a arte. Setores inclusive que não tinham pensado, debatido ou dialogado sobre arte até então. O debate continua, 11 meses depois do fechamento da exposição. Tem matéria, debate, discussão, teses de mestrado e doutorado, isso é muito importante”.

Em exposição entre 18 de agosto e 16 de setembro, a mostra recebeu classificação indicativa de 14 anos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).