Após polêmica em edital, Polícia Militar do Paraná desmente intenção de machismo

Concurso para cadete tinha como um dos requisitos no edital a "masculinidade"

Imagem: Divulgação Polícia Militar do Paraná

A Polícia Militar do Paraná abriu, nesta segunda-feira, inscrições para o concurso que oferta 16 vagas para cadetes. O certame, que é um dos mais concorridos do País, principalmente por conta do salário, que chega a mais de R$ 9 mil, chamou a atenção por conter no edital o requisito chamado “masculinidade”. Uma das características, a serem analisadas em um teste psicológico, exige do candidato “não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor”.

No edital, o critério de masculinidade também é descrito como “capacidade de o indivíduo em não se impressionar com cenas violentas e suportar vulgaridades”. Ainda segundo a publicação, a “masculinidade” deve ser apresentada em um grau maior ou igual a “regular”. Outro item que chama a atenção no edital é a exigência de um nível baixo de amabilidade, descrita no edital como “a capacidade de expressar-se com atenção, compreensão e empatia às demais pessoas, buscando ser agradável, observando as opiniões alheias, agindo com educação e importando-se com suas necessidades”. Mulheres também podem se inscrever à seleção.

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A Polícia do Paraná se pronunciou por meio de nota (confira abaixo na íntegra) dizendo que, “em nenhum momento têm (sic) adotado posturas sexistas, discriminatórias e machistas”. Além disso, o informativo salienta que entrou em contato com o psicólogo responsável pelo edital e o profissional garantiu que “não tem conotação de diferenciação de gênero, sexo ou qualquer forma discriminatória”.

Ao final, a Polícia Militar afirmou que vai ajustar o termo que gerou a polêmica, de “masculinidade” para “enfrentamento, sem prejuízo à testagem psicológica necessária à definição do perfil profissiográfico exigido para o militar estadual”.

Para o professor do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ângelo Brandeli, o uso da palavra “masculinidade”, no entendimento da Psicologia, serve para reforçar estereótipos construídos ainda no século XIX.

Brandeli salienta ainda que não é preciso ser crítico com as pessoas que elaboraram o edital, já que, conforme ele, elas apenas querem recrutar um funcionário que tenha determinada característica e como não possuem o entendimento da Psicologia, usando o termo “masculinidade” por falta de conhecimento e por associação com o que compreendem ser homem ou mulher.

Como forma de repúdio ao edital do concurso da Polícia, a Aliança Nacional LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Intersexuais) e o Grupo Dignidade publicaram uma nota (confira abaixo na íntegra), salientando que a exigência de “masculinidade” desconsidera a possibilidade de mulheres se candidatarem às vagas ou quer que elas tenham características masculinas, o que entendem como discriminatório. Além disso, o grupo pediu ao Ministério Público do Paraná que o edital seja revogado e substituído por um que “esteja livre de aspectos que reforcem as desigualdades e injustiças presentes na sociedade atual”.

Nota oficial da Polícia Militar do Paraná

A Polícia Militar do Paraná em nenhum momento têm adotado posturas sexistas, discriminatórias e machistas. A Corporação destaca que depois de 164 anos de instituição têm uma mulher no Comando da Corporação, o que mostra a postura da PM em não fazer diferenciação de gêneros. A Corporação informa também que entrou em contato com o autor do instrumento psicológico adotado, o Dr. Psicólogo Flávio Rodrigues Costa, o qual esclarece que a testagem, questionada na matéria jornalística, não tem conotação de diferenciação de gênero, sexo ou qualquer forma discriminatória. O autor lembrou ainda à PM, que o teste foi aprovado e validado pela comissão que avalia os instrumentos de avaliação existentes no mercado. O autor reforçou também que o Conselho Federal de Psicologia (CFP) jamais validaria o teste caso ele fosse discriminatório e se não atendesse todos os requisitos de respeito à dignidade da pessoa humana. O autor informou ainda que o mesmo instrumento já foi utilizado em outras instituições de segurança pública. Por fim, a Polícia Militar do Paraná esclarece que está promovendo o ajuste no termo que gerou a polêmica, para “enfrentamento”, sem prejuízo à testagem psicológica necessária à definição do perfil profissiográfico exigido para o militar estadual.

Nota de Repúdio da Aliança Nacional LGBTI e do Grupo Dignidade

O Edital nº 01-Cadete-PMPR-2019, exige em seu Anexo II, “Perfil Profissiográfico – Avaliação Psicológica” que os candidatos demonstrem a característica de ”masculinidade”, definida pelo edital como “capacidade de o indivíduo em não se impressionar com cenas violentas, suportar vulgaridades, não emocionar-se facilmente, tampouco demonstrar interesse em histórias românticas e de amor.”

Entendemos que a exigência, entre diversos equívocos, desconsidera a possibilidade de mulheres candidatas a cadete, ou quer que elas também tenham características de “masculinidade”, e que, portanto, é um retrocesso discriminatório e permeado por machismo, chauvinismo, patriarcalismo, sexismo, binarismo de gênero, heteronormatividade… Fere a Declaração Universal de Direitos Humanos e a Constituição Federal Brasileira no que diz respeito à igualdade de todas as pessoas, além de estar na contramão dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU) em relação ao alcance da igualdade entre os gêneros. Ademais, segue uma tendência demasiadamente preocupante de recrudescência de valores que beiram o fascismo e ameaçam a própria democracia no Brasil.

Apelamos à governadora Cida Borghetti e à Comandante-Geral da Policia Militar do Paraná, a Coronel Audilene Rosa de Paula Dias Rocha, para que o Edital seja revogado imediatamente.

Pedimos a atuação imediata do Ministério Público do Paraná para que o Edital seja revogado e substituído por um que esteja livre de aspectos que reforcem as desigualdades e injustiças presentes na sociedade atual.

Solicitamos também que a Universidade Federal do Paraná, através do seu Núcleo de Concursos, por meio do qual se publicou o referido Edital, faça valer seu compromisso declarado publicamente de promoção da igualdade entre os gêneros e do combate à discriminação, inclusive por orientação sexual e identidade de gênero.

Solicitamos outrossim ao Conselho Federal de Psicologia e ao Conselho Regional de Psicologia do Paraná, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil e suas Comissões de Diversidade Sexual e de Genêro, que se posicionem sobre o conteúdo do Edital.