Santa Maria: infectologistas mantém alerta para que população evite água da torneira

Último boletim divulgado pela Secretaria Estadual da Saúde confirmou 271 casos de toxoplasmose na cidade

Imagem: Reprodução

Após a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) ter divulgado, na sexta-feira, exames comprovando a ausência de toxoplasma em 32 amostras de água analisadas em sete regiões diferentes de Santa Maria, médicos infectologistas do município mantiveram um alerta conjunto para que a população continue tendo o cuidado de não tomar água da torneira. A cidade sofre um surto de toxoplasmose, de causa ainda não identificada. Mais de 270 casos foram confirmados até o momento, com outras 230 suspeitas sob investigação.

Conforme a infectologista Paula Martinez, os médicos se revoltaram com a forma como a Corsan apresentou os dados dos laudos, principalmente porque, ao afirmar que não há toxoplasma na água, a companhia acaba induzindo a população a consumir o líquido direto da torneira de forma errônea, o que pode aumentar o número de pessoas doentes. “É como procurar uma agulha no palheiro. Se essas poucas amostras deram negativo, não significa que não existe toxoplasma na água”, salienta a médica.

Para Paula, a Corsan agiu de forma irresponsável já que, tecnicamente, os exames feitos até o momento não foram suficientes para descartar a hipótese de contaminação, seja pela água ou por algum alimento. “Ninguém está culpando a Corsan, mas eles também não podem se eximir da responsabilidade. Assim, parece que eles estão nos chamando de idiotas”, reclama a médica.

A Vigilância Sanitária do município também passou a reforçar que os exames da água ainda são preliminares demais para descartar que a água seja a fonte do surto. Com isso, o órgão reforça a importância de seguir fervendo a água antes de beber, por medida de precaução. Além disso, Paula garante que os infectologistas do município mantêm preocupação, sobretudo, com as gestantes infectadas pelo protozoário. “Elas precisam tomar 11 comprimidos por dia, isso causa muitos transtornos, tanto psicológicos quanto de saúde e essa é nossa maior angústia”, completa.

 

Médicos emitem alerta

Após os médicos infectologistas desaprovarem a divulgação dos laudos das amostras de água da Corsan, dez deles (Jane Costa, Alexandre Vargas, Thiego Cavalheiro, Fábio Lopes Pedro, Helen Oliveira, Liliane Pacheco, Reinaldo Ritzel, Vanessa Oliveira, Leonardo Franco e Felipe Ferigolo) se reuniram e divulgaram um alerta (via WhatsApp para grupos da cidade), sobre os cuidados necessários em meio ao surto que atinge o município. Os profissionais lembraram, ainda, das lições que resultaram de um surto de cólera ocorrido em 1991 no Peru.

Confira a nota na íntegra:

Era o ano de 1991, no Peru. Em meio a uma grave epidemia de cólera que surgiu inesperadamente no Porto de Callao e rapidamente se alastrou por todo o país, o então presidente peruano, Alberto Fujimori, e seu ministro da Pesca, Felix Canal, degustaram, ao vivo, um saboroso “ceviche” em rede nacional de televisão, frente a centenas de milhares de telespectadores que, preocupados, buscavam mais informações sobre a doença. Prato típico do país e o preferido de nove entre 10 peruanos, o “ceviche” nada mais é que pescado cru, temperado com limão, sal e pimenta, acompanhado de milho e batata doce.

Acontece que esta tradicional iguaria oriunda da forte e internacionalmente conhecida indústria da pesca peruana estava sendo considerada pelo então ministro da Saúde da própria equipe de Fujimori, o médico Vidal Layseca, como uma das potenciais fontes de transmissão do cólera, tanto que recomendava energicamente que todo e qualquer fruto do mar fosse consumido pela população somente depois de muito bem cozido, fritado ou assado. A história nos conta que o ministro da Pesca acabou enfermo e internado com uma gripe “suspeitíssima”, seu colega da Saúde pediu demissão, a epidemia se alastrou ainda mais pelo país, contagiou milhares de pessoas, matou centenas de peruanos, além de atingir a população de outros países sul-americanos, inclusive o Brasil.

O surto de toxoplasmose de Santa Maria já pode ser considerado o maior desta doença no mundo. Já se vão cerca de três meses que os casos começaram a “pipocar” nos ambulatórios e consultórios médicos na cidade. Mesmo assim, ainda não sabemos qual sua fonte.

O fato de não conhecermos a origem do surto não surpreende. No caso semelhante e recente de São Marcos, também não se identificou a fonte de propagação. As técnicas e metodologias para identificação do Toxoplasma gondii no meio ambiente são pouco eficazes e resultados negativos não necessariamente significam ausência do protozoário. O certo é que, se tratando de toxoplasmose, sempre se considera como possíveis fontes os vegetais contaminados e mal lavados, as carnes malcozidas e a água contaminada. Há de se investigar todas elas, mas até termos certeza absoluta do que está acontecendo, devemos ter todo o cuidado. Um descuido agora pode cobrar um preço muito alto em gestantes, imunossuprimidos e pessoas com problemas oculares.

Surpreendentemente, dia 11 de maio, recebemos a notícia de que a água da Corsan fora analisada pelo laboratório referência no Brasil. É importante ressaltar que se trata do único capacitado para este tipo de investigação no país e também o único autorizado pelo Ministério da Saúde para realizar especificamente este exame. As amostras colhidas aqui e enviadas para lá resultaram todas negativas para toxoplasmose. O laboratório com certeza é ótimo. Mas, e as amostras são boas também?

Se ainda não temos as características epidemiológicas bem delineadas pelo poder público; se ainda não sabemos quem são e onde moram nossos doentes; se ainda não houve uma correlação entre o endereço de nossos doentes e o local das obras feitas em tubulações da Corsan no início deste ano, como vamos colher amostras de água adequadas? Como vamos investigar e colher alimentos que potencialmente estariam contaminados?

Infelizmente, nos últimos dias não vimos diminuir o números de novos casos, portanto, os médicos infectologistas de Santa Maria reforçam a necessidade de continuarmos com todos os cuidados já expostos, principalmente, e em especial, com vegetais mal lavados, carnes malcozidas e água da torneira que não deve ser ingerida antes de fervida ou adequadamente filtrada.