Prisão de Lula dá largada para articulações eleitorais

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foto: Ricardo Stuckert

Ex-presidente. Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula / Divulgação / CP
Ex-presidente. Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula / Divulgação / CP

Apesar de lideranças petistas e aliadas garantirem em uníssono que nada mudou na estratégia para a corrida presidencial, e que a prioridade é tirar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão, o encarceramento de Lula é o marco para o arranjo do tabuleiro eleitoral. Agora, começam as apostas de como este cenário vai se constituir. Analistas dentro e fora do país apontam as alternativas possíveis para Lula, o PT e o chamado “campo progressista” e as chances da cada uma.
Entre os analistas, predomina o entendimento de que, apesar da possibilidade de novas condenações e da Lei da Ficha Limpa, que tornam praticamente impossível Lula se viabilizar na disputa, o ex-presidente vai permanecer na corrida até onde for juridicamente possível, ou seja, até o último momento. Quando isso se tornar inviável, seu partido substitui o candidato. Ou Lula escolhe um herdeiro.
Petistas graduados admitem internamente que a estratégia é arriscada, mas tem possibilidades concretas de sucesso. Porque a análise do comportamento eleitoral mostra que é muito maior a chance de uma transferência direta de votos no último momento da eleição, que pode ser inclusive aquele no qual não seja mais possível substituir foto e nome do candidato original na urna eletrônica, do que tentar fazer isso a seis meses do pleito sem ter um substituto com condições de fato de absorver todo o potencial eleitoral do ex-presidente. Por isso, é importante prestar atenção no nome do vice na chapa do petista.
“Se o PT trocasse de candidato sem esgotar todas as possibilidades, além de isso ter o significado de derrota, muitos votos migrariam. Trata-se da força do lulismo, que, nos últimos anos, ultrapassou a força do PT. O partido não alcança, por exemplo, parcelas mais pobres da população, muito conservadoras, mas o Lula sim. Sem ele, esses são votos que em grande medida vão para o deputado Jair Bolsonaro (PSL). A insistência do Lula não é só uma questão de honra. Ela é pragmática”, explica o coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS, André Salata.

A estratégia lulista tem outra linha condutora, que se baseia na eleição de dois turnos: a construção lenta e paciente de uma frente de esquerda. O discurso e os atos do ex-presidente no sábado deixaram isso evidente, principalmente quando Lula deu destaque e deferência para os pré-candidatos à presidência do PCdoB, Manuela D’Ávila, e do PSol, Guilherme Boulos. “São concretas as possibilidades de um frentão de esquerda no segundo turno”, resume a professora do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, Silvana Krause.

Nos bastidores, o PCdoB, aliado de décadas, costura em tempo integral o que chama de ponte com o também pré-candidato à presidência Ciro Gomes, do PDT. E Boulos foi um dos maiores responsáveis por reaproximar o PSol, que, com os protestos em 2013 e sua atuação desde então, teve papel importante na desestabilização do governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Esquerda pode pulverizar votos 
Para além da discussão sobre a substituição do candidato petista, a escolha de herdeiros ou a solidariedade entre PT, PCdoB e PSol em defesa da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o debate sobre a possibilidade de pulverização de votos também está posto. No final de semana, enquanto todas as atenções se voltavam para o momento em que Lula seria preso, ele ganhou um novo ingrediente: a filiação do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, ao PSB, na sexta-feira à noite.
O objetivo da filiação partidária o próprio Barbosa deixou claro via redes sociais: se o partido concordar, ele pretende disputar a presidência da República. Envolvida com o caso Lula, a população não prestou muita atenção na novidade. Mas, entre políticos, o entendimento é de que, se o PSB superar as próprias divergências, como o desejo de parte do partido de apoiar o governador licenciado de São Paulo e pré-candidato do PSDB à presidência, Geraldo Alckmin, Barbosa pode se tornar um candidato competitivo.
O ex-integrante do STF, admitem internamente lideranças partidárias, reúne condições para abocanhar votos à esquerda, ao centro e à direita. De eleitores que já votaram no PT mas hoje se sentem traídos, de integrantes dos movimentos negros, dos que bradam contra a corrupção, de parte dos que saíram às ruas de verde e amarelo, sejam eles conservadores ou não, dos que tem ojeriza pela política e admiram o poder Judiciário, e dos que consideram o ex-ministro um algoz do PT.
“É inegável que, caso seja mesmo candidato, o ex-ministro tende a arrancar já com intenções de votos elevadas”, adianta o coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS, André Salata. À esquerda, já começou a se formar um movimento que visa a aproximar Barbosa do “campo progressista”.
Unidade e viabilidade da candidatura de Lula 
Os pré-candidatos à presidência da República Manuela D’Ávila (PC do B) e Guilherme Boulos (PSol) defenderam a ideia de unidade de lideranças em torno de Lula e a viabilidade da candidatura do ex-presidente.
“A atuação política agora tem que se concentrar na liberdade de Lula. Se antes o que nos unia era que ele não podia ser preso, porque o PCdoB sempre disse que seria um preso político, agora o que nos une é soltá-lo. Não podemos tratar este episódio como de rotina, porque é o episódio mais importante da vida política desde a redemocratização”, disse Manuela.
Boulos declarou a necessidade da realização de um pleito livre e democrático. “Seguimos defendendo o direito de Lula ser candidato, de que ocorram eleições livres e democráticas”, afirmou.
Para Manuela, a construção de uma frente de esquerda pode ser o caminho para encarar as eleições de outubro. “Este é o esforço que minha candidatura está determinada a realizar. Para o movimento em São Bernardo do Campo e nas redes contra a prisão, estabelecemos como palavra de ordem que ‘Lula vale a luta’. Lula vale a unidade e, mais do que isso, devemos nossa unidade e a construção dela a ele”, destacou.
O candidato do PSol acredita que as diferenças jamais foram obstáculos para lideranças estarem juntas. “As diferenças postas no campo da esquerda em nenhum momento nos impediram de estar juntos nas lutas fundamentais. No segundo turno é evidente que se deve buscar a unidade do campo progressista”, acrescentou.
Questionado sobre a capacidade de mobilização da esquerda, Guilherme Boulos recordou o dia da prisão de Lula e a ausência de pessoas comemorando o cárcere do ex-presidente. “Não vi nem cem pessoas comemorando. Vi muito mais gente indignada, protestando e pedindo democracia. Do ponto de vista das ruas, os que defendem a prisão, semearam a intolerância e o ódio político, não conseguem reunir meia dúzia de gatos pingados. Chamaram uma mobilização na semana passada, mas acabou sendo um fiasco completo”, sublinhou.