Esfera Pública: "Constituição precisa ser mais amada", defende ministro Marco Aurélio

Após voltar às manchetes por ter saído mais cedo e provocado a suspensão da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) convocada para julgar o habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, na sexta-feira passada, o ministro Marco Aurélio Mello falou, na tarde de hoje, para o programa Esfera Pública, na Rádio Guaíba. Se dizendo “gaúcho de coração”, ele respondeu aos questionamentos de Juremir Machado da Silva e Taline Oppitz por cerca de 15 minutos. O magistrado reforçou que “enquanto houver Constituição, vai respeitá-la”, e que ela precisa “ser mais amada”.
O ministro entende que deve ser mantido o respeito à Carta Magna, que determina que um cidadão apenas seja preso após o trânsito em julgado de decisão em segunda instância, salvo em casos de prisão preventiva. Marco Aurélio criticou o que chama de “descompasso no âmbito do próprio tribunal, que causa descrédito enorme”. Para ele, só alguns ministros seguem cumprindo o juramento da posse: de respeitar a Constituição Federal. Sobre eventuais tendências por parte da Corte de decidir conforme o réu em questão, o ministro disparou que “processo para o julgador não tem capa, tem conteúdo”.
Sobre o eventual desgaste que o Supremo vem enfrentando, referente ao caso do julgamento do habeas corpus preventivo de Lula no último dia 22, Marco Aurélio afirmou que “não haveria desgaste caso a presidente tivesse liberado o dia para o julgamento dos processos objetivos, que não envolvem esse ou aquele cidadão”, produzindo uma tese abstrata. “O Supremo não pode simplesmente fechar a Constituição Federal e julgar conforme o anseio da sociedade, principalmente em épocas de crise aguda, como é a atual. Em época de crise é preciso guardar princípios, valores e franquias constitucionais e legais”, ponderou.
Ainda sobre a defesa de respeito à Constituição, o ministro reforçou que “a partir do momento em que se atropela o texto constitucional, tudo fica muito difícil”. “A punição não pode ser a ferro e fogo, senão ela passa a ser justiçamento. Só se avança culturalmente quando se homenageia o arcabouço normativo e a ordem jurídica”, completou.
Questionado sobre o relacionamento com Gilmar Mendes, a quem disse que “enfrentaria com uma arma de fogo se estivesse no século XVIII” (declaração dada à Rádio Guaíba no ano passado), lamentou que “em um colegiado tão pequeno” haja esse desentendimento. “Eu jamais tive um desafeto assim”, ponderou. Sobre os impropérios proferidos pelo ministro Luís Roberto Barroso também a Mendes, na semana passada, afirmou que “é uma pena que em alguns momentos sejam extravasados certos limites, que eu diria que são limites alusivos à própria urbanidade”.
Sobre a lei da Ficha Limpa, que proíbe candidatura de réu condenado em segunda instância, o ministro disse que a normativa “é categórica, e não tem nada a ver com a lei da não-culpabilidade. Ela revela que havendo condenação em segunda instância, se torna inelegível o condenado. Não penso que pode haver retrocesso nessa lei, que surgiu do apelo popular”, argumentou.
Mello foi criticado e responsabilizado pelo adiamento da sessão que tinha o habeas de Lula na pauta, por já ter um compromisso agendado no Rio de Janeiro. O ministro se justifica: “sou o mais assíduo, chego todo dia 15 minutos antes, e saio praticamente como um relapso. Tive compromissos assumidos antecipadamente junto à Academia Brasileira de Direito do Trabalho.” Mello ainda disse que teve de cancelar dois endereços de e-mail e o telefone fixo do gabinete porque “não estava conseguindo trabalhar” em virtude da pressão popular.
Além disso, voltou a criticar as chamadas pautas com data dirigida: “tenho cerca de 155 processos aguardando designação de data pela presidente. Quando eu for aposentado, vou triturar todo esse trabalho”, disse, mostrando descontentamento com o fato de alguns processos terem preferência em relação aos demais.
Sobre a renegociação da dívida do Estado com a União, ele defendeu que o governo estadual e a União sentem e conversem. A respeito da liminar que garante ao Rio Grande do Sul o não pagamento da parcela da dívida com Brasília, disse que foi baseada na necessidade de manutenção dos serviços básicos, mas que, se a pauta voltar para o Pleno, vai ser votada pelo colegiado.