MP pode recorrer a tribunais superiores para que caso Kiss seja levado a júri popular

Uma semana antes de a tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, completar cinco anos, o subprocurador-geral de Justiça Marcelo Dornelles assegurou que, se for preciso, o Ministério Público vai recorrer a tribunais superiores, em Brasília, para reverter a decisão do Tribunal de Justiça de não levar os quatro réus a júri popular. Nesse caso, a sentença final pode ficar para o ano que vem ou, até, para 2020.
Em entrevista para o Conexão Guaíba, Dornelles disse que o acórdão é visto como equivocado pelo MP. Para o subprocurador, houve crime doloso contra a vida (mesmo que eventual, quando se assume o risco de matar) e, por isso, o caso precisa ser julgado pela população santa-mariense.
“Se houve conduta dolosa ou não contra a vida das vítimas, ela vem pautando as discussões desde o início”, destacou. Após um empate no julgamento que analisou se havia provas suficientes de que o crime teve conotação dolosa, o Tribunal seguiu o entendimento de, nesses casos, o réu deve ser favorecido, retirando o caso da esfera do tribunal do júri. “Mas nós entendemos que há um equívoco nessa interpretação, e com isso fizemos um recurso de embargo para que o Tribunal decida novamente. Caso mantida a mesma decisão, encaminharemos ao Superior Tribunal de Justiça com a mesma argumentação”, completa o sub-procurador.
Além disso, Dornelles lembrou que o julgamento vai ser feito pelo mesmo colegiado que julgou e acolheu o pedido das defesas dos réus de não levar a decisão a júri popular. “É o mesmo grupo criminal que decidiu pelo quatro a quatro, porque, como os embargos de declaração, mesmo que com efeito de infringência (questão técnica que permite uma alteração no julgamento), ele é julgado pelo próprio grupo. Não é uma questão muito complexa e não demanda tantas diligências, e com isso esperamos que seja rápido”, projeta.
Quando questionado sobre as diferenças de julgamento, o subprocurador salienta que serão analisados, inclusive, tipos distintos de crimes se não houver julgamento popular. “À medida que (o processo) sai do tribunal popular, não é mais possível falar de homicídio doloso, pode-se, em tese, falar em crime culposo (sem intenção) ou um crime de incêndio seguido de morte”, esclarece. Em ambos os casos, os réus garantem redução de pena significativa. “Mas, muito mais do que isso, a própria Constituição prevê o júri popular, para que as pessoas possam avaliar os crimes contra a vida, porque todas a nuances que se discutem sobre esses casos fazem com que, no Brasil, eles possam e devam ser julgados pelo tribunal popular”, completa.
Sobre a demora na decisão, Dornelles explica que a complexidade do caso protela a sentença. “Por conta do número de vítimas, a quantidade de sobreviventes que precisaram dar depoimentos, todas as outras nuances jurídicas e os incidentes processuais acontecidos fica muito difícil de não atrasar. E, possivelmente, caso a decisão precise ir a Brasília, precisaremos de no mínimo, mais um ou dois anos”, admite.
Decisão contestada
Em 1º de dezembro de 2017, o TJ acolheu os recursos encaminhados pela defesa dos réus no caso da boate Kiss para que a acusação que pesa sobre eles seja desagravada: de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção). Com isso, o caso deixa de ir a júri popular, devendo ser examinado por uma câmara criminal comum. Os oito desembargadores se dividiram nas opiniões sobre o tema. O empate, de quatro votos a quatro, favoreceu os acusados a partir do “in dubio pro reu”, termo técnico utilizado para afirmar que a dúvida sobre a questão deve favorecer o acusado.
A decisão em primeira instância determinou que o caso envolveu homicídio doloso, posição mantida pela 1ª Câmara Criminal do TJ. Naquela ocasião, os desembargadores entenderam, por dois votos a um, que os réus devem seguir a julgamento popular por dolo eventual (assumiram o risco de matar). A falta de unanimidade, porém, levou ao encaminhamento dos embargos infringentes votados em 1º de dezembro. Os recursos dos réus foram acatados pelos desembargadores do 1º Grupo Criminal, formado pelos desembargadores da 1ª e da 2ª Câmaras Criminais do TJ.
A partir de então, Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann (ambos ex-sócios da casa noturna), Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão (integrantes da banda Gurizada Fandangueira) devem responder por homicídio culposo 242 vezes consumado e 636 vezes tentado.
Relembre o caso
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, deixou 242 mortos e um total de 636 feridos na madrugada de 27 de janeiro de 2013. Um sinalizador utilizado pelo vocalista da banda Gurizada Fandangueira atingiu o revestimento de espuma da boate, gerou chamas, liberou fumaça tóxica e matou por asfixia um total de 231 pessoas. Internadas, Outras 11 vítimas faleceram nos dias seguintes.
Posteriormente, se verificou que reformas efetuadas na boate, que incluíram o revestimento inadequado e a presença de barras metálicas, acabaram influenciando na tragédia. Igualmente, a investigação apontou que a boate operou superlotada no dia do incêndio. Falhas referentes à emissão do Plano de Prevenção e Combate a Incêndios (PPCI), emitido pelo Corpo de Bombeiros, também foram contabilizados na lista de fatores que levaram ao incêndio.